Poema-lima

Data 10/04/2013 13:26:06 | Tópico: Poemas


o poema nasce nos limoeiros

tem um travo azedo que faz lembrar o vómito

não é qualquer filho da mãe

que é capaz de se deleitar com o azedo do seu fel



é preciso não ter morada

é preciso não amar ninguém que não seja a palavra

para o entender, para se lambuzar no seu sémen

final de filme porno



o poema não suporta algemas, não precisa de cama

precisa de balas

de um alvo marcado para morrer

furando fundo o papel do amor próprio

como quem abre parágrafos para além da morte



o poema sou eu

capaz de regurgitar a alma e ficar a pensar nisso

como um canto de erva, um pasto de cabra

um leite azedo de queijo



o poema és tu



olha à tua volta o estranho chulé dos que te
bajulam

como raspam nesse sebo uma espécie de gravata que
os há-de enforcar

como se deleitam a pensar o amor



e isso fosse uma espécie de sina

que já lhes nasceu agarrada aos testículos



o poema, não precisa de nada

é uma estranha sensação de perda a cada letra

uma virgem que nunca mais recupera o virgo



um polícia numa rua sem criminosos

uma mulher que lamenta a sua ausência

um filho que fuma droga nas escadas do prédio



o poema é tudo isto

mais tudo aquilo que não se consegue dizer



como se faltasse o ar a um peixe

e o aquário da vida fosse uma gaiola

onde um pássaro profundamente gay

preferisse dois machos a uma fêmea



e estranhamente só se masturbasse no alpista



o poema é um carro que te atropela

é um seguro que não chegará a pagar-te a cadeira
de rodas das palavras

porque falhaste o IRS de merda que produziste no
último Outono



O poema meu velho amigo, que trato por tu

é isto e aquilo

uma angústia não editada

uma velha a definhar num asilo


é tua avó, mas tu não toleras o seu Alzheimer







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