Viúva Negra

Data 01/05/2013 22:45:35 | Tópico: Contos

.Leia ouvindo: Dante's prayer - Loreena Mckennitt


A noite nasce depois do meio dia, caminhando pela tarde, até encontrar o crepúsculo na despedida do Sol, preparando-se para receber a Lua do outro lado do horizonte, enquanto as estrelas vão surgindo como pingos brilhantes no véu negro do céu, enfeitando a passagem de mais uma lunação.

Neste instante, uma mulher ainda dorme nua, com sua pele aveludada de brancura mergulhada nos lençóis macios do seu leito solitário. O silêncio ecoa por todo seu aposento, até quando uma coruja branca de olhos grandes e amarelos, pousa num centenário carvalho, ao lado da janela do seu quarto e começa a cantar seu presságio de mau agouro. O canto da coruja anuncia a chegada da noite, enquanto que a Lua Cheia, vagarosamente, vai prateando a escuridão do quarto.

De repente, seu corpo começa a sentir sua presença, espreguiçando preguiçosamente, enquanto seus olhos vão despertando do sono em outro mundo. Seus olhos se abrem, acompanhados por um suspiro sobre a presença da vida, num respirar constante, no seu dia que amanhece na noite, com o nascer da Lua, anunciada pelo canto da coruja branca de olhos grandes e amarelos - como se o Sol estivesse vivendo no seu olhar. Esta misteriosa mulher levanta-se da cama e aproxima-se da janela, enfeitada pela dança suave da leveza das cortinas, enquanto são tocadas pela brisa noturna. Ela olha para a Lua Cheia, sente a luz prateada penetrar sua pele cálida, sente a brisa fresca beijar seus lábios rosados, enquanto uma lágrima fria revela um sentimento de profunda tristeza.

Depois de alguns minutos ali, olhando a noite da sua janela, ela prepara seu banho numa banheira de porcelana, com água morna e sais perfumados, joga algumas pétalas de jasmim na água, acende uma vela de canela e um incenso de alecrim, mergulhando seu corpo neste ritual. O tempo do seu banho é o tempo em que a chama da vela permanece queimando seu destino, num mar de cera, choro ardente que transborda na chama viva da vela e que vai morrendo a cada brilho. A luz da vela acesa deflagra a presença etérea do fantasma do homem que esta mulher amou. Enquanto ela se banha, ele observa cada detalhe do seu corpo, sentindo tristeza por estar ali presente, tão perto e não poder tocá-la mais. Desde pequeno ele temia as sombras do amor, como se fosse um sagrado medo do seu coração, pois acreditava que cada encontro tinha uma despedida e não queria sentir o exílio da saudade. Talvez o seu medo, fosse sua intuição prevendo o seu destino, já traçado pelas mãos da existência.

Ah! Se todos pudessem ver o mundo das manifestações sutis! Saberiam que não existem separações definitivas e, sim, temporárias.

O pavio da vela mergulha na cera e a chama desaparece, como também o fantasma daquele que ela amou. No silêncio daquela noite de primavera, ela se veste de luto, com um véu negro cobrindo sua face pálida, prepara um cálice de veneno e toma tudo até o fim. Deita-se na cama, segurando uma rosa vermelha, como se fosse um símbolo da sua paixão, fecha os olhos e espera a morte possuir seu corpo, para poder sair pelo canal vital da eternidade.

Apenas o silêncio sobreviveu....

Quero apenas que me mostre como são os teus olhos ao crepúsculo, para que os possa imaginar na minha alma.




Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=246949