À merda da boca, essa cloaca (Aviso aos navegantes: mesmo texto colocado no fórum)

Data 03/05/2013 21:48:34 | Tópico: Poemas

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À merda da boca, essa cloaca






Se no lugar dos ouvidos houvesse pênis ou vulvas,
Talvez fôssemos mudos ou virgens.

A boca, pelo menos, teria uma chance
De melhor alimentar esse corpo.

Iríamos ouvir em gozo e plena promiscuidade, tudo.
Seríamos sábios ou surdos?
Mais do que uma simples escolha, uma tentação.

Mas a boca, forte em seus atávicos caninos,
Iria grunhir e babar até às últimas consequências,
No desespero de nos tornar, à força de melindres,
Os novos celibatários da audição.

Seríamos estéreis? Impotentes? Não duvido.
Mas, de algum modo, penso, falaríamos menos.

Imagine gozar só por ouvir um tratado filosófico.
Ouvir um artigo científico e ter orgasmos múltiplos.
Ouvir as regras sociais de boa conduta e civilidade e molhar a calcinha?

Ou alguém que se preza muito, dizendo de mansinho,
Ao pé do ouvido entumecido, hirto de veias injetadas...
Ou, se for vulva, toda oceano a lavar as coxas,
Sim, ouvindo aquelas palavras: Eu te amo.

Sim, tudo isso em plena ereção e gozo auditivo.
E se brochar, basta tirar o excesso de cera,
Uma lavagem no otorrino e estaria resolvido a lua de mel.

Quem teria a coragem de abrir a boca,
Por um minuto sequer,
E perder o som, o gorjeio de um simples pardal
Ou o zumbido quente da abelha fazendo mel?

Quem se arriscaria a falar num dia de chuva
Ou, naquele instante, o farfalhar das folhas lambidas pelo vento?
Os raios escandalizando em pornografia cóclea,
Riscando o céu a noite, não para enfeitar trovões,
Embora desenhe o coito,
Mas para montar o palco aos orgasmos múltiplos.


O som dos passos da pessoa amada que se aproxima,
Até o ápice das palavras, arfando, naquela hora:
Pare, pare, mais um passo e morro de prazer,
Tire os saltos, vista uma meia e ande bem devagar.
Sim, o gozo com a amante tem que ser juntos, no mesmo caminhar.




MF.


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