Uma reação a um texto de Caio Fernando de Abreu. ASSIM ME DESEJO
Desejo-me com pouquíssima fé – uma pequena réstia para suster a fiança no impossível - e algumas certezas compensadoras que me façam suportar as dúvidas infinitas que me assolam.
* Desejo-me quase nenhuma esperança mas definitivas realizações que nutram-me um anseio de realizar mais algumas outras.
* Desejo-me esquecer das aspirações por um futuro melhor. Viver bem é aceitar o que este momento me oferece além do passar das horas. Viver melhor é perceber-me na glória do meu tempo.
* Desejo abster-me de ser quem sou (ah, tantos pregam isso: "seja você") a trabalhar pelo ideal d’ um ser melhor. Presumir-me homem concluído limita-me, Circunscreve-me a fronteiras tão estreitas...
[ Quem, em sã consciência, tem a fieza de saber-se quem é, de achar-se pleno e acabado no trato consigo? Está aí um sentimento para os mortos de espírito, para vaidosos incorrigíveis ]
* Desejo pôr de lado todo o poder que reputo que tenho. O poder, mesmo aquele que me é conferido, me comprime, me deprime...
[ Não mais consinto que sucesso na vida é ter ou não qualquer forma de poder, seja influência, dinheiro ou fama.
Das acepções de sucesso nada poderá vir a não ser o sacrifício inútil d’ um tempo escasso e valioso. ]
* Desejo-me parar de pensar em verdades, nas minhas verdades, nas verdades absolutas, em quaisquer verdades.
Verdades são passageiras, conseqüências relativas de tempo e lugar. Não brigar pela verdade, porém pela improvável realidade, eis uma bela utopia que é coisa bem diferente...
Desejo-me a obter conclusões descartáveis - as melhores que conseguir em dado momento - e aplicá-las apenas no que é absolutamente necessário.
[ Amanhã é outro dia. Surgirão novas e melhores verdades... ]
* A friagem de emoções surja quando tiver de surgir e com propriedade sucumba o respectivo calor.
[ o contraste entre o frio e o calor é tão necessário ao ser humano, quanto o inverno e verão são para a natureza. ]
* Desejo-me não apenas a sorrir. Quando eu estiver a doer-me por dentro, que eu apenas chore. Chore muito, até não me agüentar mais. Que se esgote esse pranto até secarem as últimas lágrimas.
[ É desse pó pessoal que renascerá o meu sorriso, não dos sonhos da constante alegria impossível, não na repressão da necessária tristeza. Desejo viver minhas tristezas com intensidade, assim como minhas alegrias. ]
* Seja eu valente o suficiente para abrir mão de procurar sentir-me feliz.
Isso liberta mais que a pueril e passageira felicidade. Toda exaltação traz os seus contrários. Seja eu reservadamente tão disposto, quanto calmo.
* Nada carece de dar certo na marra. Perfeitamente pode não haver amor, saúde ou paz. Não é preciso inventar o inexistente, diante algum vazio, alguma carência. A ilusão forçada, antinatural : Um salto livre do alto do vigésimo andar.
* Não. Não desejo ver-me abençoado, bendito, porém tranquilo e centrado, pronto para movimentos de guerra e de paz, para a melancolia e para a satisfação. Sem gargalhadas. Sem afetações. Desejo-me só a respirar e ter a sapiência de fruir do frescor do ar.
- Gê Muniz -
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