Memórias de Uma Insana VIII - Visões

Data 11/06/2013 14:55:50 | Tópico: Contos


Foto Betha Mendonça

Memórias de Uma Insana VIII - Visões
by Betha Mendonça

A vida de uma maluca presa num hospício - como a de todas as pessoas sãs fora dele - não é nada fácil. Na odiosa ala quatro era pior. A cada momento, não sei se pelos medicamentos ou por minha psique desestruturada, qualquer gota d'água podia causar uma tsunami dentro de mim.

Na psicoterapia juntaram-se as conversas diárias mais duas terapeutas (ou o que as valha) ao doutor. Os três gostavam de anotar com cara que quem entende do riscado suas observações a respeito das minhas respostas e gestos durante as sessões.

Eles julgavam que eu colocava para fora o que se passava dentro de mim. Mas, apenas respondia com palavras feitas. Estava mais interessada nas imagens que criava deles durante esses ridículos períodos que nos levavam do nada para nenhum lugar.

E os via ardendo em chamas que iam do azul claro ao laranja fogueira. Era assim: eles clicavam na parte superior de suas canetas e saiam delas grossas línguas de fogo em vez da ponta para a escrita. O fogo rapidamente incendiava seus blocos que caiam ao chão acolchoado e os envolvia num fogaréu. Eu ouvia o crepitar dos seus corpos, o cheiro como carne de churrasco queimando, seus gritos a pedir socorro e depois o silêncio, o apagar repentino das chamas e por fim apenas três montes de cinza.

Outra vez a sala esfriava como se fosse um grande frigorífico. Eles empertigados nas suas cadeiras iam gelando devagar, as falas esmorecendo... Congelavam e ficavam empedernidos. Eu os soprava e de tão quente meu hálito os descongelava até que restavam três poças de água no chão. Divertia-me muito com tais devaneios, por que tinha a impressão de que eles que estavam a minha mercê e não eu a deles.

A psicoterapia continuou por longo período: eu falando baboseiras que nem lembro e me distraindo com minha imaginação; já que não tinha nada melhor para fazer além de contar os quadrados do teto... E nem me sentia culpada pelo doutor ser um homem bom e acreditar na minha cura.




Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=249582