mil contos no ar

Data 02/07/2013 22:22:50 | Tópico: Contos -> Minimalistas



a porta se entreabriu
pela fresta, aqueceu o sol
brevemente, uma parte do carpete
do entediado escritório

a ponta do lápis
traçava planos no bloquinho
o telefone cochichava ao ouvido
quando um copo se destacou do porta-copos
e a porta se fechou

a ponta do lápis
gesticulou e o copo repleto d'água
aproximou-se sem jeito
posicionando-se sobre a mesa

a cadeira se mexeu desconfortável
enquanto uma mala achegava-se a seus pés

bateu no gancho o telefone
tão abrupto que, rolando pela mesa
teria caído o lápis, sua ponta desgastada
não fosse o providencial amparo do copo

a cadeira deu um passo à frente
e a mesa abriu espaço para a maleta
era visível a tensão no ar
descrevendo espirais esfumaçadas

algumas persianas próximas
velando o movimento de passos e rodas
fecharam-se por precaução
como sempre convinha

o copo foi esvaziado
e jogado no cesto mais próximo
e também um cigarro nas últimas
apegou-se ao fundo do cinzeiro

a tranca da porta girou
acompanhada pela trinca da maleta
em cúmplice sincronia

a cadeira permitiu-se um ranger
e o telefone saiu do gancho
do cinzeiro, uma pálida luz
ainda emitia, fraca

havia concordância nas notas
como nos rabiscos no bloco
mas não na gaveta que, sonolenta
se abria ao rigor da pistola

ela mirou o espaço adiante
a maleta se fechou bruscamente
e a cadeira deslizou para trás
desejando com suas rodinhas voar
para longe dali

mas era tarde demais
foi furada e o carpete e as persianas
respingados

a maleta nunca mais foi vista




Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=250986