Cruz na porta da tabacaria! Quem morreu? O próprio gigante?

Data 11/07/2013 03:49:22 | Tópico: Poemas

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Cruzes na porta
e a tabacaria
sou eu.
No meu bolso
um cigarro
que fora pisado
há tempos
e relegado
ao baixo da cama,
com os monstros
da infância.
O gigante
que me perseguia
em sonhos
na rua-da-casa-da-vó,
voltava.
Eu
sobre a cama
em sono rítmico
padronizado,
em suores
e calafrios de febrículas -
tudo ônus
do peso da pedra
que usei
para atacar o Golias onírico.
O cigarro pisado,
esquecido,
foi testemunha.
Quando o vi
por acaso,
enquanto buscava
a ausência de monstro
embaixo da cama;
a ausência da infância
e a adultez sui generis
que talvez seja monstro,
que talvez seja gigante
que me persegue
e eu, pequeno, corro
que quase voo.
Eu sou leve.
Tenho certeza.
Minha consciência,
ou como sei falar de mim,
dos meus atos,
das minhas éticas,
da minha moral...
é límpida!
Incolor, inodora e insípida.
Minha consciência líquida
me faz leve
e mesmo que há gigante,
estou sempre à frente
e quase plaino.
Encontro o cigarro
embaixo da cama
na qual acordo Gregor Samsa
toda manhã.
O cigarro que era meu
por direito capitalista
de tê-lo comprado,
compacto,
num maço.
O cigarro que pelo outro direito -
de ir e vir,
pelos artelhos (sempre néscios)
fora esmagado e tirado
do alcance
da minha visão do instante-já.
Lembro-me dele, ao vê-lo.
Pego-o.
Ajeito como posso a dismorfia,
causada pelo acidente
e pelo meus dentes
rangendo em bruxismo
nas noites cheias de lua.
O cigarro foi testemunha.
Olho-o e sei que não é mais meu
e não sei direito o porquê.
Volto-o à casa industrial;
a caixa (não a mesma)
mas tal qual,
acomoda-o entre irmãos,
mais belos
e mais fumáveis.
Saio de casa para fumar um cigarro.
Encontro a cruz vermelha,
sempre lá,
mas também fora do alcance
dos meus instantes,
pois estou sempre a correr dos gigantes
e não tenho tempo!
E não sei voar...
Não mais.
O cigarro traumatizado
vira incenso ao pé da árvore.
Acendo-o, para que cumpra sua sina
de cigarro:
ser fumado
mesmo que por vento vil.
Coloco-o em riste
e ele esvai-se
tão livre quanto
a fumaça pode ser.
Até que cinza.
A cruz,
o cigarro como vela,
a certeza que matei um gigante
e que não deixarei de juntar pedras.

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