Velório e Enterro

Data 02/08/2013 22:18:26 | Tópico: Crónicas

Velório e Enterro
by Betha Mendonça

Morre a mãe de uma querida colega de trabalho. Como não dirijo (pânico de trânsito), depois de várias negativas entre familiares e amigos, consigo convencer meu vizinho Paulo levar-me ao Cemitério Parque, distante uns quarenta quilômetros da cidade.

Com o papo agradável e música calma, portei-me bem. Não gritei nem fechei os olhos quando da aproximação dos ônibus e caminhões na estrada.

Respirei aliviada ao entrarmos pelo imenso portão de ferro do Campo Sagrado e comentei:
- Que espetáculo de cemitério, hein, Paulo?
- Mulher maluca! Achar cemitério bonito...
- Olha só essas árvores? E aquele enorme campo gramado? Só lápides e vasinhos com flores ao lado!...
Ele se virou para mim espantado:
- Tu estás mesmo a falar sério!
- Claro, que estou!Dá até vontade de morrer só para ser enterrada aqui!
- Meu Deus!Ela está surtada! Resmungou ao estacionar próximo uma grande e moderna construção, espaço reservado aos velórios.

Adentramos o local. Na recepção informaram que deveríamos ir ao salão de número cinco. Foi quando ouvimos um grito:
- PAULO!PAULO SANTOS?
- Ei, o Souza!Vamos lá? E me puxou pela mão.
- Rapaz há quanto tempo!
- É mesmo... Concordou meu vizinho.
- Que estás a fazer por aqui, Paulo?
Pensei responder que a gente veio fazer compras, pois pensávamos que aqui fosse um shopping... Ele mais rápido:
- Acompanho minha vizinha ao velório da mãe de uma colega dela. E tu?
- O Gouveia...
- Não me diz que o Gouveia morreu!
- Digo: o Gouveia morreu! Está no salão vinte e um.
Nesse instante intervi:
- Vamos que o enterro sai às três horas!E quero dar uma força antes...
- Betha, o Gouveia é meu amigo de infância! Tudo bem que faz uns dez anos que não falo com ele, mas amigo é amigo!...
- Sim!Amigo é amigo!Repetiu feito um papagaio o tal Souza.
- Damos um pulinho no Gouveia e depois vamos à mãe da tua amiga, está bem?

Antes que eu pudesse dizer algo, já estava no velório do Gouveia; com Paulo, Souza e outros amigos abraços em lágrimas a lembrar do finado.
Agoniada bati no relógio e quase implorei:
- Vamos ao salão cinco, por favor? Por favooorrr?

Persuadi meu amigo. Fomos ao salão cinco. Ao passarmos pela recepção vi um cortejo saindo do local. Fui avisada ser a minha finada. Acompanhamos o grupo. Ao ver o toldo branco sobre a cova e uma espécie de aparelho que descia o caixão, eu me imaginei numa daquelas cenas de cinema. Só faltava a chuva e as pessoas vindas de todo lugar com guarda-chuvas. Distraída com meus pensamentos, nem notei quando Paulo passou a minha frente e outras pessoas misturaram-se entre nós. Fixei no enterro.

O padre disse umas últimas palavras. A família a lançar flores sobre o esquife... Foi quando desesperei... E meu acompanhante longe de mim...
- Paulo!Chamei.
- Shiiiiiuuuu!O povo me admoestou. Aumentou meu nervoso... Tentei gritar baixo:
- Paaaauuulooo!Veio um “SHIIIIIIIIUUU!” mais alto. Engoli a seco. Tratei de me esgueirar entre as pessoas até alcançar as costas dele, cutucá-la e chamá-lo pelo nome. Ele só deu de ombros e lascou um:
- Shiiiiiuuuuuu!Ai, eu magoei e pus-me a chorar.
Quando tudo acabou ele veio até mim admirado com meu pranto:
- Poxa! Não sabia que eras tão sensível!
Fulminando-o com os olhos falei:
- Não tenho ideia de quem era a defunta!Minha colega não está aqui!




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