Pai

Data 11/08/2013 11:36:35 | Tópico: Poemas

Na poltrona da sala,
Tu te sentavas
Como se num trono.
No teu rosto pétreo,
Não havia sonho,
Não havia beijo,
Havia um cetro
Sobre meu ser e desejo,
O medo de encarar-te a face,
A ordem para que eu não me deitasse.

Assistias à TV sério.
Não confabulavas
E o teu silêncio
Preenchia toda a casa
Com um ar severo.

A impassível estante
Repleta de livros
Não deixava entrever,
Na sala, sequer
Um choro furtivo,
Apenas a ameaça
De homens e gigantes.

Sem saber, como tu,
Lutar, calar, reinar,
Largava-me no sofá
Sem ousar desafiar
Teu reino e tabu.

Mas, vieram as Eríneas,
Furiosas, cansadas
De cozinhar e fiar.

Atormentaram-me,
Seduziram-me,
Consangüíneas,
Até me insurgir
E cuspir-te.

Hoje, a estante está nua
E, nos fundos da casa,
Senta-se a privada
Para ver tua terra devastada,
O fim dos livros
E a revolta dos teus filhos.

Hoje, ponho anel,
Ponho relógio,
Cala em mim o teu fel,
Teu necrológio,
Enquanto assisto,
Deitado no sofá,
Ao fim de um apogeu,
Ao crepúsculo de um deus.



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