Sinto o gosto da ferrugem a estalar-me nos ossos

Data 26/08/2013 23:04:45 | Tópico: Prosas Poéticas



A memória revela-me fotos que nunca tirei, guardo-as uma a uma num canto do córtex onde os estilhaços se repartem em fechos de luz, o flash dispara.
A cal já não existe, foi substituída por alcatrão. Ainda lhe sinto o cheiro, os corpos ainda se passeiam na bacia metálica todas as manhãs, os rostos desconhecem-se sobre a água suja de sabão. Sinto o gosto da ferrugem a estalar-me nos ossos enquanto os escaravelhos morrem esmagados na linha descontínua do alcatrão.
Já se passaram trinta anos, passaram-se, desde que levaram a minha infância num saco a tiracolo, ainda assim é naquele chão que encontro as migalhas da minha felicidade, espalhadas num vazio sem queixumes.
Apesar de tudo ainda sinto as heras nascerem-me na alma, as mesmas que arrancaram à pressa das pedras, antes do meu último voo.

Mathilde Gonzalez




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