Tenho medo de escrever

Data 27/12/2007 20:04:48 | Tópico: Textos

Tenho medo de escrever. Deixei de ser um anónimo, para ser um eterno conhecido. Agora todos esperam de mim alguma coisa. Nem que seja apenas mais uma palavra, um brinde, uma ode aos sentimentos. Passam na rua e cumprimentam-me, de princípio acho estranho, depois habituo-me a essa estranha sensação de ser conhecido. Ao principio achava graça, era um brinquedo que me davam para as mãos. Mas agora vejo realmente o que é, é a responsabilidade de me tornar um adulto, deixar de ser aquela criança que escreve ao calhas, aquele que atira uns números ao ar e acerta no euromilhões. Agora sou aquele homem de fato e gravata que tem perante si uma multidão a espera que reivindique o status que lhe dizem merecer ter.
Não quero ser um orador das palavras, deixo essa tarefa para quem sabe. Muito menos o mensageiro que vem dar a boa nova, essa tarefa deixo para os políticos que eles tão bem sabem fazer melhor que ninguém. Então perguntaram vocês e muito bem onde me encaixo? Que rótulo podem-me pôr? (Sim, rótulo pois as pessoas tem medo do desconhecido, têm por sempre um nome qualquer, para identificarem o desconhecido). Sou um observador, um mero desconhecido que passou a ser conhecido, neste mundo dos adultos ou melhor das pessoas mais maduras. Então outra pergunta se levanta, que todos pensam mas ninguém tem a coragem de perguntar directamente, mas o que isso fará diferente de tantos outros?
Sinceramente nada, serei mais a tentar descobrir quem sou...mas ao menos tenho coragem de fazer perguntas, mas melhor que isso e de responder e não ter medo de as responder, as minhas próprias perguntas. Não me refugio em fotografias, em palavras mais ou menos eruditas. Nem me armo intelectual, quando nada sei desta vida. Aprendo desde o pobre e humilde sem abrigo, talvez e se calhar mais do que o senhor doutor que nada sabe da vida.
Isto tudo quando apenas queria falar daquele amor, que todos tiveram, aquele que alguns já puseram no baú das memórias. Mas eu que nem sei escrever, muito menos ousava escrever sobre algo que todos querem escrevem, alguns até sabem do que falam mas não conseguem passar o que sentem, outros sabem, sentem, mas não conseguem escrever. Eu acho que soube um dia, mas perdi no momento que descobri, agora vejo-me alegremente triste por um dia ter descoberto isso que alguém deu um nome para junção de duas almas. Descobri que amor, não se escreve apenas sente-se, sem o saber, vive-se sem ter que o dizer. Não são mágoas de um momento, são recordações mesmo que efémeras de um momento inesquecível, de uns segundos intemporais. Isto é amor, mas cá estou eu, um ser errante que erra a tentar falar de algo que outros dizem saber o que é, mesmo que nunca o tenham sentindo de verdade.
Mas no fim de tudo o que se resume a isto? Apenas uma procura de algo, de uma explicação de um sentido da vida, seja pelas palavras, no amor, numa identidade. Algo que nos torne vivos de verdade, não mais uns seres que dizem ser artistas só porque juntam umas letras, que dão um conjunto de palavras que formam um texto. Espero um dia ser artista, pois aí poderei dizer as maiores barbaridades a face da terra que ninguém me vai chatear.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=25501