A provocação regulamentada

Data 20/09/2013 09:08:23 | Tópico: Poemas



A ceguinha do bom pastor era amiga íntima da surda da areosa que por sua vez tinha um primo mudo que pedia esmolas na rua da entremeada. Andavam todos numa roda-viva, cada um a pedir para o seu lado embora a instituição fosse a mesma. O mosquedo era maior que o poio e a benevolência o insecticida de varejas com prática em alimentar autoclismos avariados.
Num belo dia de manhã o mudo foi dizer à surda que a cega lhe tinha contado que a viu na rotunda dos produtos estrela a entrar para o carro do Toninho fodilhão, esta sem meias medidas vai ter com a cega e diz-lhe:
- Olha lá, pensas que por eu ser surda tenho os teus hábitos?
A cega que não guardava palavras no saquinho das esmolas responde-lhe:
- Ó mouca do caralho de que estás tu a falar?
- Não te armes em sonsa cegueta, amando-te com o funil num olho que andas à procura dos dentes durante três meses, ou pensas que o meu primo surdinho não me contou tudo o que disseste.
A cega revira os olhos e amanda-lhe com a bengala de locomoção na orelha direita, gritando:
- E por acaso é mentira? Assume que és tu que andas metida com o Toninho fodilhão ou pensas que eu não te vi a entrar para o carro dele ontem à noite…sua, sua…
Entretanto chega o primo mudo e diz:
- Tenham lá tento nessa merda, um gajo já não pode bater um dedo de prosa que dá logo estrilho, afinal quem é que andou a falar mal de quem?
Quem foi, quem foi?
A cega bateu no ceguinho até não poder mais, a surda emprenhou pelos ouvidos e o mudinho até hoje nunca mais se calou.


Conceição Bernardino



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