
Dois poemas do homem e sua escolha (Moacyr Felix)
Data 13/10/2013 11:27:14 | Tópico: Poemas -> Intervenção
|  Revenir serai tune chute écrasante. Paul Éluard
I.
Se em cada porto,longe, o verde alfombra uma esperança, uma salgada brisa para os pesados barcos sobre a sombra toda feita de nadas, imprecisa (mas devorando o peixe e o ar e o homem), alastro as rubras aves do incorpóreo pelo dorso desnudo de uma tarde (que é esta parte de mim que eu vou queimando) e insisto em que eles partam, vou deixando-os acompanhados desta dor acesa levar o aviso dos meus olhos, mar e mar afora ... Mas eu fico. E finco na sombra irreversivelmente minha a permanência - ciclo e madureza dos troncos regravados pela chuva, dos troncos que se cumprem sempre os mesmos, imóveis, simplesmente se cumprindo sob um pórtico de nuvens giratórias ...
II.
Destino. Que é o destino? Que fazer contra estas sombras íntimas, tão minhas como o tecido esquivo de mim próprio preso em meus ossos, latejando um ser de asas de sal mordendo um chão de ópio? Ah, destino, oxalá não haja enganos quando chegar nas pontas dessa teia de gastos gestos lentos costurados com o arame triste desses muitos anos!
Quando parar, no tempo, esta alma cheia de escolhas acabadas, rosa quieta a desmanchar-se em desenhados ventos, ah, vida, não me vença a noite alerta atrás do abismo e que os abismos incendeia: deixa eu colher no rosto um rosto certo do tempo irreversível, som de areia que já foi casa ou ponte, e não deserto ...
Moacyr Félix (1926-2005), poeta brasileiro.
Imagem: Nebulosa "Butterfly", NASA.
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