A leste das minhas mãos

Data 08/11/2013 21:33:06 | Tópico: Poemas

Um dia apeteceu-me perseguir as palavras certas.
Aquelas que são feitas das coisas que nascem,
que vivem, que crescem, que fazem morrer.
Aquelas feitas da consistência dos sonhos,
do risco das asas, do prolongamento do olhar,
da fé dos silêncios, de sorrisos limpos
ou de pensamentos fáceis.
E das coisas fundas... ah, das coisas fundas,
como não querer achar a profundidade certa
onde se encontrem palavras que as saibam...?

Apeteceu-me a criação, a original forma de dizer.
Terras novas.
O puro descobrimento.
...
As palavras ardem. As palavras são cinza, são fumo a acontecer.
Queimam-me as mãos, reduzem-me ao nada, dispersam-se ao vento.
São sinais...
Só meros sinais.

Como dizer da indelebilidade dos gestos?
Como dizer da nitidez dos efeitos,
da heterocromia do olhar,
da essência das águas
que nos percorrem em grito?...
Como dizer da sede que nos fica, depois da vontade?...
Ou da fome que nos beija a boca, depois da saciedade?
Como dizer por palavras
que a vida não é feita de domínios, nem de fronteiras?
Que as frases não se reduzem a marés lavradas?
Que a vida não é feita de sinais, mas de Marcas...?

(ah, um dia ainda hei-de inventar palavras Verdadeiras...)

A vida é mar em desassossego, e as palavras que eu persigo
são a sua espuma viva
vestígios de luas a leste das minhas mãos
ilusões de vela náufraga
sangue sem pertença flutuando à deriva
pedaços de madeira onde me agarro
murmúrio indefinível dos lugares onde já fui
e onde não mais voltarei.

E o meu papel, o barco que abandonei.





...


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