O pacificador

Data 30/01/2014 14:56:14 | Tópico: Contos -> Policiais

“Em nome de Cipriano e suas sete candeias, em nome de seu cão preto, suas sete moedas de ouro,em nome de Cipriano e sua montanha sagrada ,em nome da árvore dos zéfiros e do grande carvalho - eu peço
e serei atendido, pelas sete igrejas de Roma, pelas sete lâmpadas de Jerusalém , pelas sete candeias douradas do Egito,eu sairei vencedor”.

Oração para fechar o corpo , atribuída a Cipriano de Antioquia.


Chuto a porta , entramos os dois no barraco , no olho do furacão :Vado na cama , pra lá de chapado .O cano da 9 milímetros, clareia a consciência rapidinho.
O pilantra já está sentado na cama, meio grogue,olhar injetado de cachorro doido .Entre o vício e a surpresa , um banho de cuspe na própria cara .Saliva palavrões assustados e mugangas .Todos dão uma de doido, inocente ultrajado,bons cidadãos . Só faltam reclamar dos impostos.
Tudo tem limite: uma pulga entre cachorrões não conta, mas na falta de cachorrões , as pulgas incomodam demais.
Jeremias esquenta – lhe o ouvido. A bofetada estala feito chicote, no muquifo imundo .Vado mora num duplex em Boa Viagem, mas esconde-se aqui, no morro da Conceição, perto da igreja. Quem sabe, ficar perto da Santa é mais seguro .Meto-lhe um direto no queixo. A cabeça tomba para um lado,
o corpo sarado e musculoso oscila, mas não cai,feito um joão – teimoso .
A gente bate, ele vira e retorna. Vislumbro um olhar arrogante naquela cara cheirada e cuspida , que já despachou tanta gente pro inferno ,tanto pó e crack distribuídos , que contornaria esta cidade perdida umas três vezes . Chuto – lhe o peito com vontade. Na camiseta de grife,surge uma nova estampa.
Patético e ensanguentado:
—Não, nunca vendi nada. Droga é a porra da vida que eu levo.
O cara é um artista da miséria. Um soco no meio dos cornos. Esse ele sentiu,começa a estranhar a pegada diferente . Ninguém falou em grana. Ajoelhado, implora por um alívio , diz que já apanhou demais .
Jeremias arrebenta-lhe os testículos, com a coronha do fuzil, Ele cai gemendo baixinho , segurando os preciosos . Começa a amarelar, mas é duro na queda - caiu a ficha que algo vai errado .
— Dinheiro? Vinte mil para cada um e boa noite.
Lá se vão dois dentes no meu soco-inglês. Segura o cagaço, o rosto já é uma poça de sangue em pé.Começa a recuar,olhos arregalados de espanto : oferecer grana e perder dois dentes ?
Encurralado, braços abertos contra a parede: um inseto no papel pega- moscas. Tira o Rolex de ouro novinho do pulso e me estende, em silenciosa oferenda. Pego o relógio,faço da pulseira,uma soqueira de ouro maciço -menos dois dentes naquela boca nojenta .
Desesperado:
— Tá doido, cara?
Encerro o expediente: um tiro entre os olhos de cão danado. Saímos do barraco, encapuzados como entramos .Rua quase deserta,um velho bêbado nos aplaude, entre um tombo e outro. Enfim, a paz.











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