amanhã, outra vez.

Data 21/02/2014 20:38:50 | Tópico: Poemas

à medida que a tarde enegrece, o fino silêncio que me cobre, cola-se-me ao corpo, mais e mais, até ser-me segunda pele. por dentro, todos os sentidos se rebelam, aprisionados, todos rejeitam, a uma voz, a surda erosão das noites de que sou feita, pelas águas dos dias diluviais. e, em pânico, todos os momentos se entrechocam, na amálgama em desconstrução da minha história, pulverizam-se, ferem-me as paredes de dentro, furam-me os pontos de crítica espessura, atravessam-me a pele, projectam-se no espaço e perdem-se no vazio, sem me dar tempo de os lembrar, um por um. um por um, como mereceria a saudade. um por um, como exigiria o necessário expurgo dos demónios. um por um, como mereceria a cura das memórias-dor.
e eu fico ali, oca, invisível, imponderável, curvada sob o manto negro que me iguala ao chão órfão de cores. preciso da minha sombra, preciso... é ela que me diz que ainda respiro. ergo-me e acendo a luz crua da indulgência – amanhã reunir-me-ei a mim própria. “outra vez” é sempre amanhã.



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