No final, o que nos espera é um jazigo

Data 15/04/2014 17:12:58 | Tópico: Poemas

Não viam mais sequer estrelas,
sabia que sem romance
restaria apenas o nevoeiro,
denso som do mar, só uma nuance
e o lindo par de pernas torneadas,
membros impares naquela grege,
adrede encapsuladas
por uma fina meia de seda bege.

Fugindo da fila de pinheiros,
ramos dourados ao crepúsculo,
as folhas coloridas ameaçavam
cair para o alto como opúsculo,
iniciando um alegre bailado,
balé suspenso na atmosfera,
jubilosas dríades saudando
o inicio de mais uma primavera.

Sei que ninguém vai fugir
quando começam a cair,
também sei que no fundo,
o nosso quintal vai refletir
a esfera do Sol aquecendo
a superfície do mar.
O céu beirava a linha
respirando a música suave,
avelãs e figos secos
cheiravam deixando cheio um coração;
tínhamos dezenas de pirâmides
de bases triangulares
assentadas sob as folhas secas
e grama recém-cortada
desfraldada qual pendão gentil
na corda do varal de náilon

A rua soava tão barulhenta
quando a multidão em algazarras
passou a perseguir impiedosa
as crianças que jogavam bola
debaixo da torre das antenas
de multifônicos celulares.
Cabelos desgrenhados
fios já caídos acondicionados
na caixa de areia tubular e negra
onde cinco carreiras de poeira radioativa
foram aspiradas desde a manhã.

Tantas aspirações jogadas
sem nenhuma consideração
despejadas sem pudor
na vala comum dos desenganos,
campas rasas onde repousavam
as maçãs e as flores.
Jazigos finais também
onde em breve estaremos sós,
onde em breve estaremos nós.




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