
Confissões da carne
Data 10/04/2014 16:54:32 | Tópico: Poemas
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Escrevi mil livros em minha cabeça. Nenhum de papel ou matéria igual.
Já plantei também árvores imaginárias. Jaqueiras rasteiras híbridas de bananeiras à beira de um lodaçal de sonhos.
Também morri. Certa vez, em abril. Outras tantas, em delírios suicidas emprestados da prima anoréxica.
Matei. Leões, dragões, personagens e desejos.
Fiz tanta coisa! Atos homéricos com o sincronismo muscular dos meus neurônios. Com toda facilidade que há em pensar coisas.
Hoje, quando a luz acaba e o céu também, na violenta tempestade, eu penso no raio violeta projetando-me para perto do mar.
Trovões são ondas quebrando pedras. Estou ali, sem lugar. Como o vento que se sente e não se vê, só está.
Estou. Fazendo coisas que só eu posso me gabar de fazer. Só tenho a mim para convencer-me das coisas. Sou só eu para acreditar.
As longas viagens internas são zombaria da vida aberta, de olhos abertos. São odes à minha pequenez e pernas curtas cheias de vigor que supostamente as levariam ao mar em dias de chuva, sem luz. Mas não. Caminham para a escuridão.
Pernas curtas de galgar mentiras.
A infinitude do meu pensar, os mil livros e árvores da minha imaginação. Minha consciência cósmica dilatada...
Tudo é tanto, que quando abro os olhos suspiro o cansaço de uma reticência. A demora,a espera... O vir a ser... O ser no mundo... O tempo.
Ai,que esse estado carnista, orgânico, é o fardo.
Acendo a vela. Ainda chove, não há luz. Deito meu corpo nu no chão gelado. A carne esfria denunciando meu estado vivo.
Abro os olhos, lembrando do mar de instantes atrás que já não tenho.
A carne fria. A carne é fraca.
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