37ª foto - Da observação, as evidências

Data 17/05/2014 00:14:42 | Tópico: Textos

As pessoas estão sentadas.
O murmúrio voa encostado aos ouvidos.
Alguém tosse.
Outro alguém funga.
Passa uma cama preguiçosa.
Alguém é chamado para esperar mais um bocado.
Aqui morre-se lentamente.
E paga-se para aguardar.
Não há crianças.
Nem adolescentes.
A funerária tem um escritório do lado de lá da rua.
Tem clientes.
Todos nesta sala têm um semblante paciente e resignado.
Eu acho que também tenho.
Contam-se pelos dedos de uma mão, os sorrisos.
Chamam-me para esperar mais um bocado.
Espero.
Eu espero.
Todos esperam.
Chegou um miúdo agarrado ao pescoço do pai.
Chora.
A espera olha-o com olhos esfomeados.
Observo-a.
Reparo nas suas expressões.
Não se descrevem.
Chamam-me outra vez.
Entro para o consultório.
Aguarde um momento.
Eu aguardo.
A maralha ficou lá fora.
Olá, boa tarde
A minha espera acabou.
Só a minha.
Volto à cefaleia que me está a matar.


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