.
Aprendi a pescar inspirações.
Digo a mim mesmo: - Vou escrever um poema. Sento-me em qualquer lugar que esteja com o caderno em mãos, olho por todos os lados e espero o motivo qualquer.
Às vezes só preciso que a pessoa passe com o cachorro.
O cachorro me vê. O cachorro é um quati.
Nunca mais pude ver cachorros como cachorros depois da Lispector.
Clarice me contou um dia, de um homem que tinha um quati que tratava como cachorro.
O mais interessante do conto é que eventualmente, o quati passou a acreditar ser cachorro.
Eu acredito no cachorro que me olha, percebe-me, sente meu cheiro de longe.
Olha-me nos olhos como se soubesse o caminho, assim, instintivamente.
Mas, o cachorro ou o quati está na coleira e a sua passagem é sempre condicional.
A pessoa passa passo a passo. As costas da pessoa é o passado.
Para passar de lá para cá é preciso um ponto fixo preciso.
Eu sou a ponte, o ponto ou o poste por onde passam pessoas e sinas.
Às vezes me olham na cara. Às vezes me dão o dia bom, a noite, à tarde. Às vezes me dão algo com o olhar.
Poucas vezes as bocas se movem em esboço de sorrisos quase monalísicos.
Passam. Notam-me. Sabem que eu ponto, ponte, outra pessoa, estou ali. Outro história. Outro mundo.
Às vezes encaram o chão. Como em homenagem aos próprios pés.
Observam o passo ao invés da pessoa poste, fixa, por onde passam.
É que o outro é amedrontador. O outro dá calafrios. O outro me dá coisas que me convencem a fixar o chão nos limites da reunião, até que de costas, a pessoa que passa pensa na pessoa suspensa deixada para trás.
Pensando melhor, o cachorro da pessoa era cachorro mesmo.
Não é, nunca foi e nunca quis ser quati.
O cachorro da pessoa mal desconfia da existência de quatis.
Ele sabe pouco e por isso me olha curioso, nos olhos, quando passa.
Sei mais do cachorro que da pessoa. Da pessoa só sei as costas e que não me olha quando passa.
.
|