Descanse Sofia! Só se morre uma vez !

Data 11/06/2014 17:40:47 | Tópico: Contos -> Policiais



Sobre o chip desabou a espuma da onda, momento em que a parede hesitou como menina sequestrada chorando copiosamente num pais estranho. Alguma coisa repentinamente brilhou no branco da paisagem e desapareceu. Em silêncio. Próxima à janela, Sofia sorria. Se nada mais importava, por que ela estaria tão bem vestida e lívida naquela profundidade?

Mesmo assim ela continuou a tocar, com os olhos fechados, fazendo as cordas do arco arrancarem do velho violino uma versão única da Serenata ao Luar. Soaram os acordes ferozes como rochas batendo nas nuvens obrigando estrelas a se esconderem na névoa para evitar o afogamento. Quase um esgar, num misto diabólico de arrogância e zelo, imaginou que o próprio Beethoven poderia até estar ouvindo aqueles acordes da imortal sonata.

Arrebatada, observava os vales e montes ao longo do rio concluindo quão triste e pálida estava. Poderia ser algum temor? O diadema na testa brilhava ao sol, criando um feixe luminoso em direção aos cachos. Sem serem eternas, mas de algum modo para sempre vivas, flores alvas adornavam o vestido de luto ao som da guitarra gemendo uma antiga canção mexicana. Naquele exato momento. sentia como se os próprios mariaches estivessem ali presentes. Uma vez no México, ouviu uma ser entoada uma balada para um pistoleiro com o mesmo orgulho de um cortador de coco com machete, porém, com uma ponta de ciúmes. Segura de si, manteria a mente brilhante, buscando objetiva obscuridade. Não estaria jamais olhando.

O que se seguiu foi patético. Como uma faísca instantânea de esperança tudo poderia se transforma numa vida humana. Poderia outra vez sentir em todas as coisas, as mesmas que nunca sentira sobre a neve. Mas, nunca se esqueceria do que viu. Não, não estava chorando. Ter ilusões na alma é não apenas desamarrar os sapatos e prender a respiração para poder olhar para fora dos próprios olhos. Mesmo eles não poderiam matá-la duas vezes.


in As Palavras Desconstruídas - Filampos Kanoziro



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