o vinho era o demónio...memórias

Data 17/06/2014 19:00:58 | Tópico: Prosas Poéticas

o vinho era o demónio...memórias

pequena prosa

Hoje lembrei as petingas «umas sardinhas pequenas» eram assadas em tabuleiros no forno de cozer o pão da Sra Ludovina, passadas por farinha de trigo e regadas com um pouco de azeite seriam elas o conduto para depois de comida a sopa, ainda as saboreio com a memória. A mãe amassava o pão com conhecimento e experiência, deixava-o levedar entretanto tapado com um cobertor, depois moldava os pães e colocava-os com uma pá de madeira dentro do forno...a dona aquecia o forno com lenha miúda e quando os tijolos estavam esbranquiçados era sinal que estava pronto a cozer o pão, eram várias as fornadas pois era ali que as mulheres da aldeia coziam o pão que dava para uma semana. Nesse dia as ruas da aldeia cheiravam a pão quente, odor que ainda conservo e não me sai da memória. As crianças não despegavam das saias da mãe, tinhas as faces ruborizadas do calor do forno e eram sempre as primeiras a deliciar-se com o pão acabadinho de cozer, também ele coradinho e a estalar.
Enquanto isto, os homens juntavam-se na praça ou na taberna e conviviam entre si, com um copo de vinho tinto, ali abafavam as mágoas da vida dura, um refúgio para aguentar a cruz do dia a dia, cavando de sol a sol, vida tão dura que os maltratava e lhes tirava a paciência para a mulher e para os filhos. O vinho era o demónio da aldeia, depois de algum reboliço à chegada a casa, nada como uma noite bem dormida para voltar à realidade dos dias custosos e esquecer a bebedeira, a mulher levava seu tempo a perdoar, mas lá se ía habituando e o silêncio era o melhor remédio. O dinheiro era escasso, daí que a roupa de inverno e verão fosse mais ou menos a mesma...lá está o ditado que diz: «Deus dá o frio, conforme a roupa», quanto ao calçado, muitas crianças andavam descalças e as restantes mal calçadas. E eu sempre que podia fugir dos olhares de familiares, também andava descalça e de sandálias na mão, ainda hoje me sinto bem descalça, nada que chegue à liberdade. Não duvido que a vida fosse um fardo para muitos, quase os levava à exaustão, mas o sonho estava sempre presente, tal como os pássaros, o vento, o sossego e o desassossego, o rio a praça e uma vontade de vencer o tempo. A esperança era sentimento engolido na voragem do tempo, havia no entanto que suportar os desvarios duma vida que sempre tinha o seu quê de trágico-cómica.Um dia todos os sonhos acabavam, entregavam-se a uma espécie de desistência, a velhice pesava e a morte lá batia à porta... lá partiam, mas para os que ficavam não morriam nunca...

natalia nuno
rosafogo


do meu blog fio da memória...


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