Porque me roem as térmitas os dedos

Data 23/06/2014 08:30:38 | Tópico: Poemas

Respiro escrita pelos dedos

Tenho as palavras nos poros encravadas como pelos

Não me deixam dormir de tão ofertadas

Fazem barulhos estranhos durante a noite

Como se fossem térmitas a roerem-me despudoradas


Sempre que olho para o lado vazio da minha cama

Há mulheres deitadas com palavras, quase térmitas roendo-me

Cada uma, um verso, um começo, uma prosa sem defeito

Cada uma um final impossível de ser escrito

Em cada uma um poema de alcova, insatisfeito mas dito


E as que me olham desconfiadas,

Acendem cigarros no meu beijo e descruzam as pernas ao texto

Como se eu tivesse merecido o direito à sorte

Afinal, a minha vida é um eterno feminino:

- Palavra, escrita, desdita, morte

A minha vida um desassossegado sopro de menino


Já amei muitas palavras, fiz amor com o desgosto

A quase todas despi os segredos, domestiquei os medos

Fui amigo, amante, marido. Fui guerreiro e tombei ferido

Sei que cada uma é uma só e o seu oposto

Um pecado original repetido


E se sei isto… porque me roem afinal as térmitas os dedos?


in: «Os poemas não se servem frios» 2010


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