a direito

Data 06/07/2014 11:15:24 | Tópico: Prosas Poéticas

não sei o que me deu hoje, apeteceu-me escrever-te a direito, sem escolher palavras, nem perder tempo nas encruzilhadas: se rumo à esquerda ou vou em frente, agora parece-me irrelevante, o caminho só é caminho quando o pisamos, antes disso é mera semente, que ainda há-de ser árvore, que ainda há-de ser sombra, e que só depois de muito sofrimento haverá de ser papel branco. vou por aí...
não levo nada comigo – os poemas que escrevi, fui-os espalhando, na esperança que o vento os não levasse do trilho do regresso, se eu dele precisasse, como aquela história dos irmãozinhos Hansel e Gretel, lembras-te?... (e se o vento os levar, olha, que os faça pousar numa floresta incendiada, para que subam aos céus nas cristas das labaredas, e se espalhem, finalmente, em cinzas purificadas).
não levo nada comigo, a não ser as palavras que nunca escrevi, mas essas, imagino que as saibas de cor, no essencial: amar é um verbo de satélites, dês as voltas que dês, terás sempre luz reflexa que te ilumine um ponto do teu corpo que eu já beijei. depois... sei que por dentro somos iguais, somos feitos das mesmas palavras, mais vírgula, menos ponto – pronto, haverá mil e uma composições diferentes que nos desafiem esfinges próprias, mas esse jogo de decifração mútua sempre foi estimulante, até forrou de pedras bonitas o nosso caminho...
o nosso caminho. será que existe caminho nosso? os teus pés, onde estão? e as minhas mãos, onde as meti?... a última vez que me lembro delas, estavam entretecidas nas tuas, mas depois disso tive que as levar aos olhos, à boca, ao peito e à farmácia mais próxima...
...queimei-as, ao tentar salvar, dentre as minhas migalhas, todos os poemas que te escrevi (o resto, o caminho de volta... não interessa).




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