O lápis e as suas aparas…

Data 27/08/2014 11:06:03 | Tópico: Textos



Olho as aparas amontoadas no canto da mesa; escuto o lápis e o pulsar nos dedos com que o seguro e tenho medo de o perder, de perder mais este companheiro que tanto de mim sentiu e percebeu, que tanto da vida esculpiu na pele branca e frágil esventrada daquele tronco robusto que vi partir num sonho.
Ah! Este lápis que não só escreve as letras, desenha os símbolos da eternidade, esculpindo com arte o ser e o sentir na tristeza e na alegria e os meus olhos são mar quando vejo partir os risos e a chuva, rebentos tão meus e da terra que piso.
Guardo as aparas, fazem parte do sangue e do suor, das lembranças gastas e da saudade quando por elas passou uma tempestade de ideias soltas; quando por elas passou uma guerra e viu partir os soldados, os filhos… e da minha boca em silêncio não sossegaram as lágrimas, a raiva no trilho das armas e das flores, tantas as pequenas flores que em sangue por outro sangue se derramaram. Guardo as aparas, nelas, também tenho a rega da minha serenidade, e recordo o soar melódico das andorinhas e das primaveras, do primeiro e último voo das borboletas.
Guardo o lápis, já no seu último suspiro…sei que voltará quando o Outono levantar as primeiras poeiras, quando caírem as primeiras folhas e quando o vento gritar: Chegou a hora de purificar o impuro, de renovar as árvores, de fortalecer os filhos da terra, de germinar o silêncio, de fazer mover os rios e as águas paradas…chegou a hora da igualdade, de nos sentirmos firmes, presos ao solo enquanto o fortalecemos devagar e sem pressas com o nosso florir e melhor sorriso até que a nudez do Inverno nos torne novamente reais.
Descansa lápis, fizeste, deste caderno, uma das minhas melhores esculturas…continuará a soar o violino enquanto as palavras balançam entre os sons das suas cordas mágicas.

©Maria dos Santos Alves (MSA), 27/08/2014, a publicar in “Violinos ao Luar”


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