O Homem que Contempla (Rainer Maria Rilke)

Data 20/10/2014 22:07:59 | Tópico: Poemas -> Dedicatória


Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que
os dias se tornam mornos,
batem assustadas nas minhas janelas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anônimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.

Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
lhes sentia debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.
esse caminha ereto, justificado,
e sai grande daquela dura mão
que, como se o esculpisse,
se estreitou à sua volta.
Os triunfos já não o tentam.
O seu crescimento é:
ser o profundamente vencido
por algo cada vez maior.

Rainer Maria Rilke (1875-1926), poeta alemão, in "O Livro das Imagens". Tradução de Maria João Costa Pereira

Imagem: Carl Spitzweg (1808-1885), Sennerin und Mönch.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=280695