
Minha alma
Data 15/11/2014 15:30:12 | Tópico: Poemas
| Minha alma É tão pobrinha E a tanto tempo definha Que já lhe preparei funeral. Espero logo que morra Como a andorinha Ou os bem-te-vis Numa revoada Matinal.
Espero que logo morra A minha alma E leve consigo Todas as minhas mágoas E me deixe em paz, vivo A transparecer, enfim, Uma súbita calma.
Ah, minha alma, Vá embora E leve contigo Esta face que só chora, Esta boca que só ora E não entende que a vida É o instante, o agora. É uma boca Que nos devora Na íris do sol, Na pétala da rosa Ou na luz das nebulosas.
Ah, minha alma, Deixa-me, Pois não sou como tu, Etérea e alva, Pois sou este corpo Sujo, Lava que arde No escuro.
Ah, minha alma, Vou-me excomungar-te. Tua vais para o céu E eu para vala. Tu és a cabala E eu pouca coisa, Quase nada. Melhor assim; Não há nada o que me valha E vivo ao léu De quem não ajunta, Só espalha. Separar-te-ei Do meu pensamento, Para semear-te No vento.
Ah, minha alma, Quando me veio o Diabo E por ti Ofereceu-me Reinos, ouro, prata, Eu apenas lhe disse: “- Tome-a de graça.”
Ah, minha alma, Te desejo Que sejas feliz, Que voltes À lama, Ao barro Da onde vim, Que de mim Te evoles Qual fumaça De um cigarro, Que vires Uma dócil avezinha, Branca pombinha A voar livre, livre Para longe de mim, Para que, enfim, Eu não me aprisione a ti Nem tu, a mim, E eu me torne Alguém Que vive, vive, vive A romper Todos os gradis.
Ah, minha alma, Deixa-me desalmado, Sem nada, ninguém, Sem anjo ou juiz Ao meu lado, Porque como tu Eu também Quero ser livre e feliz.
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