
Eu o Natal e o Tejo
Data 25/12/2014 02:13:55 | Tópico: Poemas
| E hoje, aqui, só, frente ao Tejo, nesta noite de Natal, pela madrugada, encontro-me na Vida como sempre estive e nela me senti - deserdado! Triste, só e solitário. Sepultado ... Vulto desgarrado, absorto e sombrio, doente desenganado, pela esperança vagueando, escorrido de ilusão, sem mãe nem pai, filho das ervas, do pó dos mortos que morreram, da terra e da angustia cilindrada. Sem Pátria nem família, sem casa nem leito, sem colo onde me acoite ou chão onde pisar. Esta noite é mais longa do que outras. Do que todas! Porque hoje não há nada! Nada! Só eu! Só! Eu, o Tejo, a ponte e o Cristo Rei... Tudo estático, incólume, parado. Menos eu que desabei a última ilusão! Matei a família que inventei. Virei costas à infância. Sou órfão! Sou órfão! Mas quando é que o não fui?! Se calhar no ventre de minha mãe ... e só aí ... Único tempo de aconchego que tive alguma vez. Não dado por ela mas pela sábia natureza ... Haverá em toda a parte famílias reunidas! Haverá braços estendidos, corações quentes, lareiras à arder, sorrisos rasgados ... ... porque é Natal … porque é Natal! Em mim e para mim já não há nada! Nada! Só a Noite deslumbrante e o silêncio dos ausentes. Minha família reunida ... é feliz ... sem mim ... sem mim! Nunca me encaixei no seu destino! Porque o meu nunca foi o seu destino ou o deles foi o meu! Triste desencontro, o nosso ... Não sei de onde sou, não sei afinal quem sou, só sei que não sou dali, que não sou o que eles dizem! Posso não ter nada mas tenho-me a mim, e a Deus, e aos meus versos, e ao meu destino que o deles não será! Por certo! O que já é quanto me baste! Sou livre ... ao menos... E Tu,Tejo das minhas ilusões que hoje me aconchegas, leva este Natal ... afoga-o no mar! Que eu, querendo ser alguma coisa, não fui nada! Só aquilo que nunca pensei ser. Ironias e cansaços ... E já foi muito ... já fui muito! Agora não sou nada ... e já nada quero ser! Só eu! Simplesmente! Assim ... Porque nada ser (e aceita-lo) é poder e querer ser tudo! Mas serei apenas o meu sonho! Já me chega! É ser muito! Ser aqui e ser ali o que nunca irei ser é ser muito ... é ser muito! Não devia ter nascido! Era isso que sonhava! Debalde ... é tarde ... aconteceu! Viverei incumprido para sempre! Fica o sonho e a vontade - num beijo ... A Esperança que me assiste - de pé ... Eu e o Natal - à Beira Tejo ... Ricardo Maria Louro 24-12-2014 (No jardim da casa do Conde de Monsaraz, virado ao Tejo, na Rua Vitor Cordon ao Chiado em Lisboa … numa estranha, triste mas lúcida noite de Natal ...)
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