AO POETA DA MONTANHA

Data 31/12/2014 23:47:55 | Tópico: Poemas

(Esta prendinha é minha!)

O poeta estava só. Era o último homem do sentir e do saber, porque os cinzentos tinham invadido a cripta do conhecimento e haviam selado a porta.
O poeta fugira e habitava então os montes mais altos que havia no lugar.
E ficava cogitando, lá, no sítio onde, a génio, dormia em camas de morrinha e pasto tenro.
Lavava-se com orvalho gotejado das manhãs, enquanto, obrigado pela vida, trabalhava num espaço fechado, onde se vingava sonhando o Céu e a Lua o dia inteiro.
Era difícil ser poeta por ali, na pátria velha onde os outros todos já tinham perdido a alma.
Mas ele vivia o lado de dentro do arco-íris. Vivia para o sonho e a paz.
Vivia para criar beleza nas palavras e nos sons, musicar a fala. Amar o amor. Saber.
Vivia por dentro do acto difícil do sentir. E sobrevoava o teatro imenso da Natureza toda, fascinado. Coisas da solidão, difíceis de explicar.
Insistir no discurso era árduo. Era como uma enxada cavando em granito, fealdade e frieza. Isolado nos montes… todos os dias, era difícil.
Então foi buscar poetas aos montes e prados vizinhos. Juntaram-se e beberam o hidromel das vestais e dos deuses. Juntos, tornaram-se revolta.
E do cinzento nasceu a paixão do impossível. Descobriram a cor. Tornaram-se lenda e imagem. Mais fortes os laços, mais montanha nos dedos, mais amizade nas veias.
E assim aprenderam a dar as mãos e a sentir mais, nas águas cálidas e límpidas da fonte da inteligência.
E prometeram para sempre, por cada poema, uma flor.
Aos olhos de uma mulher absoluta, nascida da bruma e do arrepio.
Juraram pela mulher ideal. A que vive em cada sonho de poeta, em cada amor amargo e doce como a vida.
E assim nasceram para um amor florido e puro. Como o cristal imenso de um olhar meigo quando nos diz: quero-te.
E a montanha fez-se de todas as cores, em flores e fantasia. E a comida do sonho tornou-se o néctar da eternidade.
E só viver esse sonho de palavras e beleza vale a pena. Dizem os eternos sonhadores.
Os tais que afinal, são eles, e apenas eles, os construtores do futuro.
E pagam cada poema com uma flor. E vivem na cripta solene da eternidade e do sentir.


PEDRO BARROSO (autor, cantor, compositor), in "Um Poema, uma Flor", de João Luís Dias



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=285162