
espectro
Data 29/01/2015 20:59:45 | Tópico: Poemas
| "de noite, no meu leito, busquei o amado de minha alma, busquei-o e não o achei." Cantares 3:1
ouço o seu passo na escada e eu dentro do metrô, bêbado, dentro da noite. você bate à porta. ouço os passos da escada, e eu, dentro do quarto, fundo, no fundo dos desejos e você atravessa a porta. ouço os passos dentro da noite e me prendo na escada. os gritos de fora me acordam e você me põe os olhos. ouço os gritos do metrô e os passos do povo; e ouço a porta aberta. vejo os dentes, fora dos lábios e os lábios sorrindo. ouço dentro do metrô e os passos da escada, e os passos da vergonha caminham bêbados, trôpegos, dentro da noite. você passou a porta. ouço os passos do seu peito e o meu peito acelera, corre a circulação e eu sinto o cheiro do poço; sinto o cheiro do lixo; você tirou os sapatos. sinto o bêbado da noite, e os passos(que) sobem a escada. o ar é aziago, o cheiro é aziago, o bêbado também. e você assenta dentro de mim. dentro de mim a circulação apavora, os passos aceleram, a mente viaja. sinto os passos do quarto e vejo o suor do cais, o cheiro do cais, o bêbado do cais, e os passos dentro do metrô. você entra. sinto os seus olhos abertos muito grandes, e os seus lábios vermelhos. sinto as dores do mundo e você me põe a mão. vejo seus braços longos e os dedos ágeis que trabalham. sinto o passo da calçada e a prisão aberta. você está de pé, assentada à minha frente. ouço o apito na enseada, e o porão frio/fedorento. lá fora o sal, areias da praia, o barulho de ondas, marcas na areia, passos de amor, passos de bêbados, passos bêbados. ouço o cardume que passa, e o cheiro de café. você me sufoca com o hálito. o seu hálito é forte e o ar parado. sinto o seu hálito, nos passos da escada, nos passos da estrada. um sol na galeria e eu preso no metrô, no cais, no porão, preso no mundo, no seu hálito; um hálito de sal, de iodo, de lixo, hálito de areia, de bêbado, de rum. um beijo. um beijo de sombras. sombras que se perdem, me despertam, se formam e caminham, e descem as escadas e se perdem, nas escadas, nas estradas, nas enseadas e no escuro da noite.
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