Pelas veredas da vida

Data 23/02/2015 19:05:06 | Tópico: Textos -> Amor

Pelas veredas da vida

Olha-se no espelho. Não se reconhece. Ali está uma mulher bela, cativante, de semblante atraente, cabelos extensos, brilhantes com reflexos avermelhados emoldurando o rosto, caindo num dos ombros displicente. Afaga-os. Lentamente a mão percorre o seio e desce até à cintura. Num gesto firme e elegante faz um requebro num pequeno volteio a perna desnuda-se e a silhueta é deveras encantadora. O requinte do vestido é de estilista. Pequenas pérolas e vidrilhos desenham um bonito conjunto de flores cintilantes que dão encanto e sedução. As sandálias lindíssimas nuns pés delicados. A face é fresca, tem uma ténue pintura, um pouco de sombra nos olhos fascinantes, escuros e de pestanas longas. A boca é naturalmente vermelha, os lábios um tanto carnudos e as maçãs do rosto rosadas têm a dividi-las um narizito atrevido. Um pequeno sinal na testa dá-lhe graça e é prazeroso. Tudo parecia normal. Quem esperaria que lágrimas começassem a aparecer nesse rosto encantador e porque chora? Ser-nos ia difícil de compreender perante aquele quadro belo que constrói a nossa imaginação e a beleza desta postura aparentemente tão serena. Pois nem tudo que luz é ouro, lá diz o velho ditado. Está recordando a sua vida passada e reproduzida naquele espelho secular. O coração aperta-se…a vida da aldeia, dura, de grande sacrifício. No inverno então era insuportável. A casa pobre e desconfortável. Só os animais que quase paredes meias os aqueciam. Quando o tempo enregelava os corpos eles davam um certo calor mas o bafo era desagradável principalmente quando chovia e a lã das ovelhas ficava molhada. A lareira era acesa para cozinhar e ali ficávamos sentados nos bancos embrulhados e encostados uns aos outros para jantarmos pelas seis horas da tarde alumiados por velas ou um candeeiro quando havia dinheiro para comprar o petróleo. Mas a minha terra é linda! Na primavera gostava de levar os animais a pastar ou beber a água no bebedouro da fonte. Andar por aqueles campos fora correndo e saltando com os meus irmãos cantando canções que a nossa mãe ensinava. As lágrimas teimavam a aparecer. De súbito uma mão estendeu um lenço para as enxugar, um lenço perfumado de aroma costumeiro. Eduardo sorria docemente apertou- me contra o seu peito. Então estas recordações foram-se apagando, voltei á realidade. Passado um momento recompus-me dei-lhe o braço encostei a cabeça no seu ombro num gesto grato e carinhoso. Retomei a serenidade e assim apoiada entro no salão. O ambiente um pouco requintado é acolhedor, as luzes numa bela tonalidade. Julgo que todos se conhecem. Trocam-se cumprimentos, abraços e beijos afeiçoados. Dia festivo. Dois empregados da casa simpáticos e impecáveis servem os convidados. A música muito bem escolhida, melódica e quase em surdina serve de fundo a conversas interessantes e intelectualizadas. Há também risos e palavras menos prosaicas na gente mais nova de costumes mais aligeirados e livres, juventude! As horas passam em encantador convívio. Começam as despedidas com alguma confusão, desejos de um próximo serão, saem e fica um silêncio sentido. Damos as boas-noites habituais e subimos para os quartos. Sento-me no sofá, nuns minutos rezo e agradeço toda esta felicidade. Agora um bom banho relaxante, visto uma mini camisa e ao espelho olho a minha simplicidade. Embora pareça impossível foi a infelicidade de ter perdido os meus pais, que recordo sempre com a maior saudade e carinho. Mas foi assim. Esta família nobre, rica e boa desta terra acolheu-nos como filhos e eu a menina que eles não tiveram. Fui muito mimada, tive o privilegio de me instruir, educar e hoje ser uma arquitecta reconhecida que muito tem ajudado a resolver os problemas desta bela terra e recompensa-los com muitas alegrias. Adoro-os! Os meus irmãos hoje tomam conta destas terras e propriedades como se fossem suas, administrando-as e elas prosperam dia a dia. As lágrimas vêm novamente, sim, mas de alegria. Prodígio sobrenatural. Novamente tenho dois braços fortes, amigos feiticeiros que me abraçam. Numa reviravolta não há mais miragens mas um homem viril e apaixonado que me levanta nos seus braços me beija e leva em êxtase para uma noite de amor e felicidade. O filho que eles realmente tiveram.
Helena




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