
A Terra - poemas de Dr Givago (Boris Pasternak)
Data 20/03/2015 10:47:45 | Tópico: Poemas -> Introspecção
|  Nos palácios da velha Moscou a primavera entra insolentemente e dispersa todos os mitos nos quadros onde as peliças desalojam os chapéus de verão.
Ao longo dos patamares de madeira vasos de flores são alinhados amarelos amores perfeitos e goivos, nos quartos o ar é mais fresco, mais poeirento nos celeiros.
O passeio fala, familiar, à janela quase cega, no rio vão se reencontrar o sol poente e a tarde de verão.
E o mais humilde dos corredores repete o que diz todo o espaço, o corredor que bem nos conhece, nós, pobres homens com nossas dores,
repete as propostas fortuitas de abril, no canto das goteiras, a alba sobre a paliçada, parece querer se eternizar,
a chama e o pavor se misturam lá fora como nas casas, e o ar por toda parte é como louco, e por toda parte botões inchados, na planície como nas janelas, na rua e nas oficinas.
Porque se queixa o espaço enevoado e a terra tem gosto amargo? Estou lá para reconciliar os longínquos em sua solidão, estou lá para desanuviar a terra além dos subúrbios,
e se, quando volta a primavera, para as refeições e as noitadas que parecem despedidas, meus amigos em minha casa se reúnem, é porque toda existência espera que a secreta corrente de dor, aqueça o frio solitário.
Boris Pasternak - O Doutor Jivago, Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1962, tradução de Oscar Mendes e Milton Amado. Poemas traduzidos por Heitor Martins. A Terra, pp. 560/561
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