Um dia quase perfeito

Data 18/04/2015 15:49:20 | Tópico: Textos -> Humor

O dia acordou radioso, com aquele clarear primaveril e o chilreio da passarada, nidificando a vida, não fossem os três espirros consecutivos e ininterruptos, arrancados à força pelo meu débil sistema respiratório, teria sido uma alvorada mais que perfeita.
Cheguei à varanda e recebi o habitual cumprimento matinal da cadelinha, mastiff, da minha vizinha do lado. Creio que a Mel gosta mesmo é do cheiro agradável do amaciador da minha roupa acabada de sair da máquina de lavar. Ao primeiro latido do exemplar canino, eu sempre correspondo com um: “Bom dia Mel!”. Então, ela mordisca o osso de plástico e corre escada abaixo, feita tolinha, escondendo-se na sua casota do quintal. Quer eu, quer a a bichinha somos animais de rotinas, pelo que este episódio se repete todos os dias, no mesmo horário.
Já com os ciúmes a retorcer-lhe os bigodes, o meu porquinho-da-Índia, empoleirado na gaiola, emite sons que se assemelham a um murmúrio, como quem quer chamar a atenção para o facto de estar ali, desperto e pronto para mais um dia de insaciável roedor, sem complacência para com os segundos que dedico ao exemplar canídeo, o qual ele nunca viu, mas, apenas, ouve ladrar e cuja linguagem duvido lhe seja familiar, muito pelo contrário o faz estremecer de medo.
Aproximo-me dele e passo-lhe a mão pela barriguinha, que fica exposta, enquanto ele se alonga, curioso e frenétco, a implorar pela ração e pelo suplemento de feno que fazem as suas delícias. O Chico sabe que só me volta a ver de noite, quando eu regressar do trabalho, mas fica calmo e feliz, sentindo-se confortável, após o abastecimento alimentar diário.
E com a primavera na alma, inundada pela pureza de dois animais puros e indefesos, dirijo-me ao trabalho, onde, acabada de chegar, recebo beijos e abraços de meninos especiais, que fazem a diferença, pela espontaneidade e verdade com que expoem os seus sentimentos e enfrentam as adversidades das problemáticas que carregam. Afinal, são eles que fazem de mim um melhor ser humano, mas, também foi com eles que eu aprendi a ter o coração ao pé da boca e acreditem que não abona a meu favor.
Mais uns quantos espirros... uma comichão horrível no nariz e na garganta, os ouvidos a estalar, com a sensação contínua de abrir e fechar, os olhos a lacrimejar... é só a febre dos fenos a complicar a luta de mais um dia de trabalho pela frente. Do lado de fora da janela, o dia continua radioso. Nos vasos da vizinha da frente despontam as buganvílias, um casal de andorinhas acabou de pousar nos cabos da eletricidade e eu sorrio à vida que surge, latente, recebendo-a, de braços abertos, apesar da minha pior inimiga... a alergia, ter tirado o dia para me atormentar.
Atchim!
Paciência! Nem tudo pode ser perfeito.

Maria Fernanda Reis Esteves
55 anos
natural: Setúbal



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=291486