Euclides, o comunista 2ª parte

Data 11/02/2008 19:03:55 | Tópico: Contos

Quando chegaram à Rua do Heroísmo, no Porto, o Domingos apeou-se e dirigiu-se à portaria do edifício, sendo interpelado de imediato, por um plantão da PIDE.
- Que deseja?
- Eu venho saber se está aqui um tipo de Ponte da Barca chamado Euclides, que trabalhava na barragem do Lindoso.
- E para que quer saber?
- Está ali fora o antigo chefe dele, um engenheiro, que queria falar-lhe por causa do serviço lá da barragem.
- Um momento, que vou saber. – Dirigiu-se a um telefone pendurado na parede ao fundo da salinha que fazia de recepção e falou baixo durante breves instantes. Depois de desligar, dirigiu-se ao Domingos, dizendo-lhe para entrar e aguardar na primeira sala do corredor à esquerda.
Não esperou mais de dez minutos, até que um sujeito de meia-idade, com o escasso cabelo empastado de brilhantina, fato negro e voz nasalada entrou na sala e lhe disse à laia de cumprimento:
- Então é você que quer ver o Euclides? Que é que tem a ver com ele, hein? Conhece-o de onde? Vamos lá a identificar-se.
O agente Verde puxa da carteira, tira o cartão da PSP, entrega-o ao PIDE e repete-lhe a história.
- Há quanto tempo está na polícia, hein?
- Fiz a escola e estou em Matosinhos há seis meses.
- Seis meses, hein! Sente-se aí e aguarde.

O tempo ia passando e ninguém mais se aproximou da sala onde o Domingos, só esperava que lhe dissessem alguma coisa. Lá fora o engenheiro devia estar ansioso por novidades. Ainda ninguém lhe tinha confirmado que o Euclides estava lá preso, mas também lhe tinham dito o contrário.
A sala estava aquecida e o tempo de espera dava-lhe sono. Com sorte, hoje ainda podia dormir algumas horas, até entrar outra vez de serviço. O raio do homem é que nunca mais vinha, se calhar estava a consultar o processo ou a pedir instruções a algum superior.
Quase duas horas depois, entrou novamente o PIDE na sala, entregou o cartão de identificação ao Domingos dizendo-lhe:
- Tome lá isto, desapareça e não volte a pôr os pés aqui na directoria a não ser que o chamem. Diga lá ao engenheiro, que o comunista que trabalhou na barragem está aqui e que na cela dele, ainda cabem mais um ou dois, hein. Se quiserem?...
Dito isto, virou costas e saiu tão silenciosamente como tinha chegado. O Domingos sentia-se ruborizado pela forma arrogante como tinha sido tratado, ele que também era uma autoridade e só ali estava para fazer um favor. Saiu do edifício, deixando para trás o sorriso zombeteiro do plantão, que certamente ouvira a conversa, atravessou a rua e entrou no Chevrolet do engenheiro Ogando.
- Então senhor agente, que novas me conta.
- Novas?... Eles têm lá o Euclides, fizeram-me esperar este tempo todo, mandaram-me desaparecer e ainda me ameaçaram que na cela dele havia lugar para nós, para mim e para si.
- Então não se pode fazer nada.
- Pois não senhor engenheiro, com estes tipos não se brinca…Vamos embora, que eu preciso de ir dormir e pouco falta para as seis da tarde.

FIM



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