Evasão do Poeta
Data 19/06/2015 09:26:14 | Tópico: Poemas -> Introspecção
| Evasão do Poeta As montanhas, nuas do fogo, sitiam-me nestes vales de ecos, onde vida regurgita, gritando, a esperada renovação. Da ressecada paisagem, os viçosos exorbitantes de verdes matizados, tenazes, que se opõem à desolação.
Os meus sentidos são invadidos de cores, de cheiros, de sons... Meu olhar é tomado de assalto por cenas em perene turbilhão. As aves entoam e me seduzem, no seu trinar, melodias celestes. Os perfumes anestesiam meu corpo derreado pela dor e pela perda.
Tudo se manifesta em frenesim, numa orgia pós-guerra sexual, onde qualquer afecto ou paixão desdenha do ilusório amor fútil. A necessidade de recriar vida torna as emoções e sentimentos em recordações saudosistas de quem não é parte do acto.
Esta ambiguidade atinge-me feroz porque, por amantes, abraço odaliscas frias, servis, assexuadas, que almejam tão só a liberdade e o esquecimento. Se torneio o ventre sedutor da solidão logo esta me repele para os beijos, apaixonados e quentes, da loucura; a tortura do gelo e fogo é-me inumano.
Ousarei eu, porém, perturbar o seio materno que força e sacia a explosão vital em redor? Serão os meus brados de dor e lamentos fortificados pelo desespero, escutados? Ou a orgia se porá em fuga desordenada e logo, indiferente, retoma a sua função? Quem se importará com o poeta sem musa, inculto, rude, que não soube jamais amar?
Ninguém decerto! Nenhum ser saberá ler letras desordenadas em folhas ressequidas pelo tempo e semi-apagadas pelo espectro da luz que ensaia, sem guião, este vigor. Nem a noiva negra esperada, que tarda, jamais lançará o seu olhar vazio ao inútil livro abandonado na natureza como lixo... Ela vem ceifar um corpo e alma desvalidos!
Lisboa, 18/06/2015
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