
Ascanthopédia - Parte 9 – A Campina Sagrada do Bosque
Data 25/11/2015 15:46:46 | Tópico: Contos
| Enki-du olhou ao redor, na esperança de encontrar o ancião, mas não vira nem sinal dele. Mesmo assim, não imaginou que pudesse pertencer a ele tal preciosidade, pois que estava praticamente enterrada na lama, e por sua humilde carroça julgara não ser ele possuidor de tal riqueza. Sabia, porém, que também não pertencia ao seu castelo, pois que lá havia em abundância ouro e prata, e outros metais maravilhosos desconhecidos em outros mundos, mas nada que ostentasse tal magia e beleza. Ah, se houvesse, haveria ele com certeza de se lembrar. Pensou em esperar o velho homem, mas concluiu que já o havia aguardado demais, e não gostaria de ter de voltar para casa à noite, passando pelo bosque e por Nubelar, nas horas soturnas do dia. E assim, guardou o achado em sua bolsa, e seguiu o seu caminho, deixando a carroça já em condições de seguir a sua viagem, caso o ancião retornasse com os seus cavalos. Enquanto seguia o seu caminho, vieram-lhe pensamentos a respeito do homem que encontrou próximo ao rio. De onde teria ele surgido, se jamais havia visto alguém em Limelim, que não fossem seus criados ou alguém de suas relações. E logo ali, naquele dia estranho, esse estranho peregrino... Enki-du começou a lembrar-se das histórias de assombrações que contavam a respeito do bosque, e das coisas estranhas que aconteciam por lá, agora aqui. E ficou a pensar se o que acontecera com ele fora real, ou mais um conto a ser adicionado no rol já tão absurdo de suas desventuras. Ora, desde que deixara o castelo, coisas estranhas tinham acontecido. Mas também ele nunca havia-o deixado, como saber se coisas assim não seriam perfeitamente normais no mundo aqui fora? Perguntou a si mesmo, procurando tranquilizar-se. Mas, enfim, não era a hora e nem o lugar de imaginar esse tipo de coisa, a tarde caía, e a luz do dia começava a esmaecer... Não queria ficar ali imaginando coisas. E logo estaria finalmente chegando à colina, o lugar de seu fado. No final das contas, estava vencendo, ainda que aos trancos e barrancos, os grandes medos da sua infância. O misterioso jardim ficara para trás, e o insólito bosque não era mais segredo para ele. Agora, tudo ao redor denunciava a sua proximidade com uma parte atípica da floresta. O terreno subia gradualmente, até formar uma pequena colina gramada. A luz lá em cima era diferente, resplandecia mais livremente do que nas densas árvores mais abaixo. Além de se converter num dourado pálido, resultado de arboretos de folhas amareladas, abundantemente espalhadas. Uma escada, tão velha quanto o tempo, levava até o alto do morro. Talvez o próprio Kronos subira por ali, pé ante pé, arrastando a sua enorme barba branca chão a fora! Enki-du sabia que havia chegado. Em nenhum outro lugar do bosque fora visto lugar tão singular, de atmosfera algo indizível e morna... Como se houvesse, um dia, saído de algum sonho e ido pousar ali, por mero capricho. Era tão deslocado, quanto o sol que aparece no horizonte, numa tarde chuvosa. Assim, com esses pensamentos, o jovem príncipe transpôs os primeiros metros em direção ao topo. À medida que se aproximava, torres começavam a se revelar, prateadas e brancas, reluzindo como se estivessem acesas, e um suntuoso prédio verde, coberto de musgo, erguia-se no centro delas. Árvores petrificadas sustentavam o teto principal, de onde desciam corredeiras de águas sem fim, que não se sabia de onde vinham, nem para onde iam. No chão, com exceção de pequenas trilhas, o resto todo era como piscinas rasas, que davam a impressão de se caminhar sobre as águas. Alguns trechos funcionavam como ilhas, onde cresciam árvores altas, de pequeninas folhas que pendiam da copa até o chão, fazendo lembrar cascatas vegetais. Miríades de borboletas trançavam de um lado para o outro, frágeis e transparentes, em seus milhares! E doces sons de inúmeros pássaros, que jamais eram vistos, ecoavam distantes, em sons metálicos e alegres. Enki-du ficou estático. Seu olhar se perdia nos espaços, o vento acariciava-lhe os cabelos. O verde e o dourado pareciam fundir-se numa cor desconhecida, ali, onde o céu e as árvores davam-se as mãos. O azul refletia-se no chão, e os sons das águas cochichavam estripulias com o farfalhar das folhas. E lentamente as suas pálpebras pesaram, e um torpor irresistível o dominou. Sendo assim, deitou-se num pequeno gramado ao pé de uma macieira, e se entregou ao sono. O que um dia - faria questão de se lembrar - ter sido o melhor de toda a sua vida!
|
|