VINTE E OITO DE DEZEMBRO

Data 30/12/2015 12:11:47 | Tópico: Prosas Poéticas

VINTE E OITO DE DEZEMBRO

Pobre que sou!
Sequer sei parecer ser... Apenas sei ser.
Pois, mesmo quando tento parecer ser outro,
Eu sou eu mesmo!...

Ainda que me cobrisse de ouro e usesse boas roupas, minha aparência permaneceria a d'um pobre diabo: não sei parecer ser rico senhor!

Ainda que me vista com tecidos finos em trajes elegantes, minha vestimenta não faz ignorar minha ignorância das coisas elegantes...

Quando assim faço, passo por caricatura de rico e elegante,
E embora pretenda parecer ser um, sou nenhum...
E embora intente parecer ser alguém, sou ninguém.

E, finalmente, constrangido pela realidade dos factos, fico a parecer ser pobre tentando parecer ser o contrário.

Pobre que sou, não guio o auto potente dos poderosos. Talvez seja essa a minha pobreza: Não ando como rico!

Não sei ver o valor dos rótulos, a nobreza das marcas, a preciosidade das etiquetas...

Pobre que sou, multiplico bizarrices e manotas no trato com as pessoas. Saio para a festa como se fosse à praia e à praia como se fosse para a festa. É de causar espécie!...

Talvez confunda liberalidade com liberdade, não sei... Sinto-me mais livre por não usar fato e gravata. Mais ainda, por não usar roupas de linho ou de seda e gastar na bodega o que me custaria o tintureiro.

Aliás, tenho despesas demais para me permitir apuros no vestuário...

É por isso que tão logo aparece a ocasião social de parecer ser, eu desapareço: Sim, antissocial de meia pataca! Parvo de misantropo!! Capiau de subúrbio!!!

De que ruim e mal escrito romance social terei eu saído? Que personagem patética a minha pessoa seria capaz de inspirar se eu me dispusesse a descrevê-lá num livro frustrado de saída por absolutamente desinteressante? Porque tenha-de parecer ser esse que sou quando há tantos mais interessantes a emular?

Devia copiar o cabelo do cantor... Usar as roupas da marca da moda... Guiar o auto que jamais quitarei... Fingir naturalidade em restaurantes e clubes noturnos...

Devia parecer ser outro
de quem os outros pareçam gostar mais.

Devia...
mas só consigo parecer ser quem de facto sou.

Betim - 2015


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=303888