O grande caderno azul - LX

Data 01/05/2016 15:54:13 | Tópico: Textos

LX

Manhã de sexta-feira no sexto dia de março - O corpo ainda dolorido e tremulo.A velha depressão, a minha gengiva e seus tártaros. Vou encarar a minha triste realidade, primeiro visitar a cliente da rua 25.Mas não vou trabalhara, resquícios do grode - a geladeira vazia, não tem arroz. Não sei como será o desfecho.A dona da grade deve esta uma arara e com certeza vai ficar mais braba ainda. Minha cunhada com a mangueira para encher os baldes e o tonel. Uma diarreia básica. Ontem nem sair de casa, apenas comprei ovos no Paul Clive para jantara. Ultimamente preocupado com a oficina, as rachaduras e etc. Terminou o programa policial Bandeira Dois do canal 4.

Aqui estou na oficina de volta ao meu pesadelo - todo tremulo receosos de alguma coisa, de ser esculachado pela dona da grade. Nem tomei café, um nervosismo da porra - o corpo debilitado fisicamente e psicologicamente.A boca amarga. Olhando a viga central estiorada. Um ônibus lotado para em frente, um buraco no asfalto - quando olhei de longe pensei que fosse aqui. Seu sardinha,um senhor pedreiro aposentado perguntou-me por quanto faço quatro cantoneiras - respondo-lhe por quarenta reais.Pardalzinho colega de profissão saúda-me da calçada.Penso na Senhora das grades. Seu Costa, o barbeiro meu vizinho varre a calçada, a caneta quer falhar.
Fui forçado a gastar um real na compra de uma caneta a de seu Pietro secou de vez. Pensamentos embaralhados. O estômago vazio e arreliado. O tempo fechando-se em grandes nuvens nimbus-cumulus. Para apaziguar a minha conturbada mente penso nos grandes mestres que tenho tanto apreço e respeito. Em Miller andando pelas montanhas gregas ao lado de seu amigo o poeta Katsimbalis, visitando lugares míticas como Micenas, Epidauro, Nauplia e outras pequenas aldeias. O menino solitário chorando na beira da estrada deserta porque a irmã mais velha roubou-lhe três dracmas ou da senhora de seis dedos dedos nos pés que as pessoas chamavam-na de monstro lavando as roupas na beira do poço como nos tempos bíblicos.Ou Dostoiévski na exequias do finado funcionário publico alcoólatra, atropelado por uma carruagem. Os convidados,a velha e incansável viúva Catierina -pra mim é uma das melhores cenas do romance "Crime e Castigo" - tem também o cafajeste do Luijin que se suicida na frente de um bombeiro, depois de passar uma noite horrível num hotel de quinta categoria, de deixar uma boa soma em rublos para sua jovem noiva de 16 anos e ajudar os três órfãos da falecida, irmãos de Sonia, a filha única de Marmieladov, obrigada a se prostituir para ajudar a família. Raskolnikov não era um homem de índole má, apenas revoltado com sua situação miserável e que via na figura da velha usuraria todos os males que passava. Em "humilhados e Ofendidos" - um show a começar pelo capitulo inicial com introdução do velho e decrepito Smith no bar dos alemães e seu magérrimo cão Azorka. E assim vai toda a fauna de seuspersonagens bem delineados, assim como a avó do general em "O Jogador" - uma personagem forte - Isto sem falar no velho Karamazov sempre levando a vida na esbornia e o pequeno seu filho caçula Aliocha, uma dádiva - um inocente; Engraçado que assim como eu, Miller tinha o maior respeito por Dostoiévski, Balzac e Proust.. Balzac abriu-me olhos e a mente para o mundo mundano da sociedade francesa - A bela e recatada "Eugenia Grandet". "Ilusões Perdidas, Esplendores e misérias na vida das cortesãs" - as belas damas e suas aventuras extraconjugais. Proust apresentou-me ao salão aristocratizar com seus barões afetados e duquesa desfrutando de todo luxo e suas fofocas. Ele admirava muito Balzac e emocionou-se com a morte do belo poeta Luciano de Rubempré, que suicidou-se numa cela.
Pergunto as horas a pequena vendedora de Jornal Dona Alexadrina, irmã de Seu Walter.O estômago dar nó de fome.As três feiras do Convento. Uma sede dos diabos. O tempo se fecha de novo, começa a chuviscar.O odor forte do meu suor. A situação lá em casa não esta nada boa, cada vez piorando mais. Mas Deus é bom! Eu faço o que posso. Mas esses dias a coisa pegou para mim. Entranhado no álcool, vacilando que nem um bode embriagado, não sei como não dormi na praça. A chuva aumenta de intensidade.
Aleluia! Aleluia! gretchen! Obrigado Senhor - Tudo esta saindo bem. Arranjei dinheiro para amanhã. espero que não ocorra nenhuma zebra, a barriga castigada de fome.Mesmo com estômago arreliado, uma pequenina vontade de beber uma dose de cachaça. Arre.A chuva continua. A salvadora da pátria foi a irmã de Seu Costa que deu-me vinte reais para aumentar uma grade de janela. Fui na irmã da rua 25 encomendou-me as duas grades. esta tudo dando certo. De vez enquanto a vontade de peidar, mas receio que venha merda. Quem me deu o recado foi Dona Neide a cunhada dela e de imediato dirigi-me para sua residência no Resende e trouxe logo a garde e o dinheiro. A vizinha da frente fecha o seu pequeno comercio .

Em casa, parece que todo mundo esta em pânico, mas como o rango já foi servido e todos encheram a pança. Inclusive Seu Pietro que mudou de canal e minha cunhada nem disse nada, se fosse eu gritaria comigo. Comprei uma banda de galeto assado, dois kilos de arroz e dois reais de cigarro Klint para minha cunhada. Seu Pietro estarrado na cama do casal, vendo tv.O cheirinho do meu calçãozinho. As três princesinhas estão finalmente reunidas nesse começo tarde. Brincam de estudar, sobre o cuidado da princesa maior Brunielle que é a professora. Seu Pietro sem pudor e nem respeito enfurnado no quarto de Larissa, deitado na cama dela com a maior cara de pau. Se fosse eu já tinha sido expulso sobre muito impropérios.Mas se tratando do 'filho' ninguém pode reclamar nada.É o amor da vida de minha cunhada. Digitei as primeiras folhas do diário que quero publicar.
- Eu te bato se tu quiser me morder - grita minha zangada cunhada para uma de suas inúmeras gatinhas que a cerca.
Essa vai ser a minha missão literária narrar a minha verdadeira vida sem esconder nada . Minha cunhada catando pulga na abusada da cadela Chorrinha.sara e uma amiguinha entram e saem ao mesmo tempo. A princesa menor Adrielle brinca sozinha sentada no sofá. As outras no quarto de Larissa que lava as louças do almoço na pia da cozinha. O Patriarca deitado na cama, muito circunspecto enrolado no lençol vendo um documentário na SKY. Alguém bate palma no terraço,levanto-me a contragosto e vou ver quem é. Abro a porta, era uma amigo de Sara procurando por ela. A tarde depois do almoço li Dostoiévski e ele o grande mestre do Brooklyn Miller acompanhou-me até a compra tradicional do pão na padaria do Sr. Chapéu. O odor nauseabundo do meu calçãozinho preto sem elástico.



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