O primeiro caderno amarelo- VI

Data 23/05/2016 13:54:57 | Tópico: Textos

VI

- Bom dia, minha vida
Pensando no sonho horrível que tive, que a parede do fundo da oficina tinha desabado. Preparando-me para encarar o trampo ou seje dobrar as laterais. Um trabalho extenuante. Uma cena triste no jornal da SBT, a execução de uma Dona de Casa por motoqueiros no Rio de Janeiro. Penso no meu filho e na mãe dele, o risco que eles correm
Banhado e cheiroso descanso agora sentado na minha cadeira de macarrão, depois de uma manhã de muita luta para dobrar as laterais da tampa, mas com ajuda fundamental de Seu Nezinho conseguimos.
Meio-dia e vinte - chuvisca sobre a Vila. Clayton o novo pedreiro recém formado na profissão, coloca em pratica o que aprendeu trabalhando para Seu Cardoso. Seu Nezinho sentado no banco na porta da oficina observa a chuva. O auto-falante da bicicleta de sorvete vem anunciando os seus produtos. A chuva para.
- O Sorveteiro está aqui....
Tarde
Levanto-me da cama todo molhado de suor. Paulinho não apareceu quando ver a tampa vai colocar defeito. Larissa sai para fazer uma compra para a mãe. Professor banha-se e depois vai para o quarto deles. Uma pequena tempestade se aproxima com trovões e relâmpagos que caem desornadamente sobre nós e a cidade ao longe. Leio um romance em francês do escritor Roger Boutefeu "Je reste un Barbare" - Minha cunhada executa pela lei a pequena e irrequieta Clarinha. A chuva engrossou e desaba sobre o telhado. Minhas unhas dos dedos das mãos sujas como sempre. O factótum de Professor no computador. Os pingos estatelam-se furiosamente. Os relâmpagos e trovões ao longe. O pensamento na oficina e suas rachaduras.

Noite na sala de visita da III Maison Bamba / Vila Embratel
Levo Mama Grande para o banheiro, ela queria urinar. Jantei três pães com ovos e um copo de café com leite. Minha cunhada prepara as merendas. Nada de novo no front, digitei um poema em francês sem titulo. Larissa no computador, professor deitado na nova cama de casal, assistindo a SKY.
- Larga essa bolsa - grita a minha cunhada para Clarinha - Vai urinar e te deitar. Tu tá muito atentada hoje - Desabafa em voz alta. Paulinho apareceu as seis e pouco no momento que vestia a farda da noite. Coloquei a mochila nas costas e descemos para a oficina. Na praça, a rapaziada estava animada, degustavam uma garrafa. Aparentemente ele gostou, amanhã que terei a certeza, também farei com a graça de Deus as iniciais da cruz da Senhora do bairro America do Norte. Paguei temeroso Seu Raposo, com receio de ter feito alguma besteira, enquanto encontrava embriagado na segunda feira passada. O valet de Professor entra e sai rapidamente. O corpo dolorido. Ouvir Mozart, algumas belas aberturas de suas operas. Mama Grande arrasta o seu pezinho com seu andar pesado, passo a passo miudinho rumo ao nosso quarto e assim deitar-se na sua rede:
- Que horas são? Pergunta em pé na porta do quarto,
- Nove horas ´responde Professor que entrava na sala de jantar depois de passar alguns minutos no terraço.
A porta fechada, uma das persianas aberta, por onde entra um vento frio. Bruce o cão acorrentado deitado em frente a porta da sala do computador. Joyce tomba da estante. Releio alguns trechos do meu diario de 86. Bocejo. Minha cunhada de perna cruzada e o rosto concentrado no seu tricot. Professor ronca no quarto. A pequena sala, um novo mundo. De volta ao seio familiar aos 51 anos, na mesma de sempre. A escrita e a leitura em primeiro lugar



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=309651