...naufraga prenhe

Data 29/02/2008 21:46:43 | Tópico: Poemas

Soçobra um instante magoado na manhã dos dias
em que coarctados enlaçamos o futuro em cristais de sal.

Submerge caudal azul de um rio que acontece lento
nas várzeas largas das nossas mãos
e se (com)funde na carne ainda quente de dedos,
fenos abertos em ventanias d’alentos mudos
- um rio que, debilitado, se expande da nascente à foz,
muito para além dos gestos travados,
retractos (dos teus e dos meus actos),
ou d’afectos sempre demiurgos.

Naufraga prenhe de um tempo em que nos alimentávamos
da salinidade dulcíssima das palavras,
em que nos cerzíamos laboriosamente em fios finos
de seiva cristalina,
filigrana em que nos moldávamos impávidos,
fundidos em roda livre na firme certeza
de sermos greda,
barro original e, cadernal de roldanas de sentidos revertidos,
nos afundávamos sargaços em poços reflexivos.

[Por sobre as campinas voa, de asas abertas, um pássaro incerto.
Debica aqui e ali, do arrozal ainda verde,
a flor,
a seiva,
a saliva descorada pelo Sol ímpio d’Agosto
e em todos se encontra no travo ácido de um feto, nado-morto].

Soçobra o momento de um abraço,
esmorece tudo e mais além, agoniado, até de si mesmo, o cansaço.



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