Atitude

Data 15/07/2016 15:28:29 | Tópico: Poemas

Altíssimo esplendor do dia, canto do pássaro solar, pálpebra inevitável de abrir. O sol parece ter mais efeito dentro que fora de mim. Acordei cedo e entediado e todo mundo sabe que tédio é energia sendo espancada pela inércia, coisa perigosa. Então inventei de fazer uma caminhada no parque, para fazer jus a toda forma de existência que acordou para este momento em que estou vivo. Me alonguei.

E lá fui eu, com musicalidade. Desci as ruas farejando o frescor matinal por cada poro do corpo, da alma e da mente, bebendo lucidamente a atmosfera em passos de dança de partículas. Cheguei no parque sorridente e pleno de espírito, em respeito à natureza, e me embrenhei numa trilha mais fechada. Bosques me fazem sentir de forma mitológica as presenças de dentro e as de fora, gosto de caminhar em transe, meditando a jornada. Foi então que o encontrei, sentado à beira do caminho. Um garoto que lia concentradamente não o mundo, mas seu livro. Impliquei com isso. Fui lhe dizer que estava desperdiçando tudo. Ele nem notou que eu estava ali. Desperdicei meu tempo. Decidi continuar com minha própria loucura controlada, todavia assim que virei as costas o garoto disse:

- A terra inteira é um grande girassol ingênuo, um bulbo rodopiando, uma esperançosa flor atravessando a imensidão sob as promessas da luz. Viver é encontrar e se perder das suas paixões.

Assim que terminou de falar, ele sacou uma caneta do bolso e fez anotações. Só então percebi que não era um livro, mas uma espécie de caderno (ou diário). O rapaz, certamente poeta, teve a mesma ideia que eu, mas não podendo caminhar na via láctea, sentou-se em meio às árvores para que a galáxia caminhasse dentro dele.

Manhã incomum, pinceladas de sinais que parecem me dizer um quadro. Voltei para casa fazendo três caminhadas, as minhas e a do poeta e, ao chegar na portaria do prédio, esbarrei com minha vizinha, Linda, que segurava um vaso com um girassol. Ela me sorriu, sorri de volta, sem saber se era sonho meu, dela, da flor ou do poeta do parque...

Acordei entediado. Encucado, pensei mais do que fiz. Chateado por ter sido tudo um sonho, fui vencido pela inércia, sem esperança, sem poesia. Não celebrei o sol, não saí para caminhar... E nada me aconteceu.

(Ronan Cardoso)
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