Acerca das derrapagens

Data 05/08/2016 07:01:13 | Tópico: Textos -> Amor

Esta noite dormi bem.
Quando era garoto aprendi a andar de bicicleta cedo.
Na primeira casa dos meus pais, havia um corredor no quintal, que dava acesso ao portão da saída. Trinta e seis anos depois, esse parece-me minúsculo, mas foi nesses quatro metros que me lancei na velocidade.
Era pequena, ao fim de cinco anos, aquela bicicleta que me ensinou.
No Estoril, para onde fomos viver depois, o espaço era outro e as estradas tinham muita terra batida, própria de bairros clandestinos. A minha bicicleta lá veio comigo e fiz amigos no meu novo bairro.
Andar de bicicleta passou a ser andar pelo bairro.
O meu vizinho Bruno explorou o bairro comigo. Certa vez, andou na bicicleta verde, que tanto eu estimava, e partiu o quadro pelo meio, numa derrapagem.
No aniversário seguinte recebi outra bicicleta (ainda não estavamos no tempo dos ipad), uma Freestyle vermelha, de guiador branco.
A ideia da derrapagem não mais me saiu da cabeça, jovem e fresca.
A escolha do piso é muito importante: gravilha, terra batida, alcatrão um pouco solto, areia (desde que em pouca quantidade), são os ideais.
Tecnicamente não é difícil, não como um cavalo, ou uma égua.
Basta ir a alguma/bastante velocidade, iniciar uma pequena curva e, no piso acima referido, dar um cheirinho de travão na manete direita.
Aquele momento em que, ao deslizar, arrancamos qualquer coisa do chão, cortanto qualquer coisa inefável do espaço e ainda conseguimos não nos espetar ao comprido, ainda hoje me leva a um qualquer canto do céu.
Ainda que não acredite no paraíso.


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