O DESTINO DO ALQUIMISTA

Data 07/03/2008 17:28:48 | Tópico: Poemas -> Reflexão

DESTINO DO ALQUIMISTA

Um desfigurado alquimista,
Desprezado e perseguido
Por reis e rainhas,
Fazia, em noites inúteis,
Em aparelhos inocentes,
A ciência dos vadios,
Transformava terra em mel,
Insetos deformados
Num mal qualquer,
No patê que nutre
Vermes ensandecidos.

Faz, ainda, por amor,
Ou rebeldia,
Da flor,
Troféu a ser dado
Aos espartanos
E aos homens que se matam,
Mordem-se,
Num tablado qualquer,
Com um canhão vulgar,
Com uma bomba sem nome,
Para glória de um mentor
Sem rosto,
Sem pátria,
Sem tempo.

Foi quase enforcado
O rebelde alquimista,
Ao propor em público,
Que seria de grande utilidade
Para o povo
Do reino,
Que se queimasse em fogueira,
As armas do monarca,
Que se empregassem os operários
Que viviam de fazer defuntos,
Do mesmo aço que faz um parafuso,
Uma colher faminta,
Uma enxada suja de barro,
No fabrico de espetinhos
Para brincar com dóceis répteis;
Seriam mais úteis
Com a nova tarefa!

Foi procurado,
Por quase um século,
Ao propor,
Em alcova de nobre
E volúvel senhora,
Indecorosas formas de amar.


Foi perseguido,
Por muito tempo,
Ao colocar em seus manuscritos
Proscritos,
Idéias torpes
Que fariam, em breve,
Brotar a prosperidade
Na cidade dos prisioneiros,
Arrebanhados em batalhas
De heroísmo duvidoso.

Passou intermináveis dias
Em infecto e frio calabouço,
Por defender,
Em asquerosa taberna,
Da violência e vexames injustos,
Impostos por mercenários
Oficiais do rei,
A vil cafetina,
Mal vista por diabos e santos,
Por territórios, muito além,
Das fronteiras da nação.

Execrado em praça pública o foi,
Dezenas de vezes,
Teve suas obras queimadas, pilhadas...
Suas opiniões
A respeito da real importância humana,
Questionadas por clérigos,
Juristas e pensadores da época,
Inconformados com o mesquinho cérebro,
Que se divertia,
Criando fantasmagorias heréticas,
Que mostravam o homem não tão importante!

Foi em período turbulento
Seus dias de glória;
Envolvido em quimeras,
Carregado em marsúpio
De inquieto monstrengo,
Criação de madrugada exuberante,
É chamado ao palácio medieval,
Para em poções,
Misto de raízes exóticas
E essências esotéricas,
De balsâmica aparência,
Trazer de volta a saúde
De sua alteza real.







Logo inverdades
De pátrios cidadãos,
Legaram ao alquimista
Batina de cores esmaecidas,
Em seus santos desconhecidos,
Para em poeirentos caminhos,
Em intermináveis charnecas,
Por abandonados mosteiros,
Encontrar, uma vez mais,
A solidão da irrequieta criação.

Quando os cabelos
Mostravam o destemor da idade,
Louca paixão se apossou
Do incompreendido indivíduo;
Em companhia da sábia e bela mulher,
Para muitos signatária de subversivos manifestos,
Para outros ungida feiticeira,
Viu passar muitos sóis em sua vida.
Até que o corpo paixão
Desapareceu,
Pela mão de algum carrasco inquisidor,
Deixando para o alquimista
A verdade eterna,
A ser derramada,
Como oração,
No ventre da massa comensal,
Que percorre extasiada
Séculos de horror.

Foi perdoado ontem,
Quando seu corpo apodrecido
Por séculos de história,
Foi encontrado
Na tumba dos esquecidos,
Onde se lia na lápide,
Em inscrições,
Quase imperceptíveis:
“Aqui jaz a razão”







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