Escritos sobre àgua

Data 09/03/2008 20:32:31 | Tópico: Prosas Poéticas

Estranha sensação de ter morrido, a meio de um sonho entrecortado com afiado punhal.
Começa por um martelar tremendo nas têmporas, no coração. Um tremor frio em todos os nervos e ossos.
Deveria ter enfrentado o infame, o mandante do estrago como uma guerreira: cara a cara, de punhal afiado na mão. Não ter deixado o sonho morrer.
Mas, primeiro é o inexpresso, o hermético absoluto, o poema jamais escrito, o verso jamais dito.
É informe incandescente que se forma, o seu arrefecer, o passar gota a gota ao sinal, ao som, no sentido decretado na convenção, na liturgia da palavra.
É o canto, o movimento burlesco, estático para libertar o sofrimento, a alegria, a fúria, o remorso e o medo, para mostrar a forma apropriada na mais bela tempestade.
É a malícia, o compromisso, a cedência, a reconciliação com o mundo. É a retracção, a apatia, a súplica, a poesia mais verdadeira é o silêncio ou o grito desumano.
É sibilino o murmúrio do sangue fragmentado, obscuro lugar, profecia dos recantos.
Escrevo sobre a água, onde penso ter recuperado a alma, achado as palavras, o tom, a cadência, derretido aquele nó dentro de mim.
Abro a mão e deixo cair o punhal ao mar.
Darei assim, razão e nome a toda esta dor.

Oh alma fugidia, obscura!
Oh fundo tenebroso!
É mentira o inteligível ou verdade ulterior?


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