Uma dose de nada por favor.

Data 04/01/2017 00:39:59 | Tópico: Contos

A porta já estava aberta, ela adentrou no estabelecimento, a penumbra em comunhão com alguns pontos de luz distribuídos na bancada indicava o local. Seguiu em frente, sem olhar para os inúmeros ‘’rapazes’’ que a dissecavam.

Era uma banqueta macia, apesar de carecer de encosto para sua coluna vertebral. Estava bom.
-Para a senhorita?
Enquanto observava a infinidade de recados rabiscados naquela pobre madeira que compunha o balcão, tardou a perceber que a pergunta se dirigia a ela.
-Moça!
Levantou paulatinamente seu tronco, como quem não tem pressa: uma dose de nada por favor!
-Como?
-De nada.
- Nada até temos, mas não sabemos servir.
Encantou-se com a resposta, ele sabia brincar.
- Dá-me o amigo do homem engarrafado!
-Whisky?
- Este mesmo, o mais barato e o mais forte.
Ela não olhou marca, não olhou cor, não olhou ano, não era de seu feitio. Mas o sabor, este não passaria despercebido, prestava atenção em suas papilas gustativas. Era amargo. Não costumava beber, era o nada que a moça queria e não este gosto.
Depois da terceira dose ela conseguiu. O que exatamente? Discursava frases inconclusivas e sentia-se agitada:
- Uma dose de nada, uma dose de nada!
O homem que a atendeu compreendera: a moça necessitava fugir de tudo e de todos por um momento, era o nada que ela buscava, era o nada que sua mente atordoada com tanta informação lhe negava.


Grandes observações: O intuito do diálogo foi apenas refletir sobre a necessidade de, por vezes, não pensar em nada. Um estado de tranquilidade livre de perturbações, este, infelizmente, cada vez mais financiado por alternativas externas, como os fármacos por exemplo.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=318309