Serendipity

Data 17/03/2008 02:15:46 | Tópico: Textos -> Esperança

Uma das palavras mágicas da minha infância era a que Mary Poppins – uma das minhas heroínas no cinema - poderia utilizar para se descrever a si própria: Supercalifragilisticexpialidocious. Acho que levei anos para aprender a canção, cheia de termos complicados em ritmo acelerado, mas a palavra, estranhamente, não. Durante muito tempo, utilizei-a para descrever tudo o que era fantástico, deixando os adultos da minha vida quase à beira da loucura com a rapidez e frequência com que a pronunciava. Bastava que o sol brilhasse, a minha prima fizesse panquecas para o lanche ou a gata vadia que eu alimentava em segredo tivesse tido mais uma ninhada para o dia ser simplesmente Supercalifragilisticexpialidocious. Um livro novo ou o início das aulas eram Supercalifragilisticexpialidocious. E quando eu fazia algo que superava as minhas próprias expectativas tornava-me Supercalifragilisticexpialidocious. Estão a ver o desatino ? Além do gozo em pronunciá-la, era uma palavra especial porque nem toda a gente percebia o seu significado o que a tornava mágica pois continha todo um mundo de fadas, duendes e outras personagens míticas tal como a dita ama com um saco sem fundo, que utilizava um chapéu de chuva como meio de transporte e conhecia gente invulgar que transformava desenhos a giz em portas para a fantasia e desafiava a lei da gravidade apenas com a força do riso.



Ontem descobri outra palavra mágica: Serendipity.
Apesar do meu conhecimento da língua inglesa nunca a tinha ouvido.
Serendipity, serendipity. Não tem um som fantástico ? E o significado é tão Supercalifragilisticexpialidocious como o som. Serendipity é uma descoberta feita por acaso, é acidentalmente encontrarmos algo que não procurávamos. E é também o nome de um filme protagonizado pelo John Cusack e a Kate Beckinsale cuja “tagline” é, traduzido grosseiramente: “Será que o Uma Vez na Vida pode acontecer duas vezes ?”. Não vos vou contar a história que é obviamente romântica, muito fantasiosa e extremamente simpática na sua simplicidade mas transcrevo o excerto de uma das cenas que me tocou mais : “life is not merely a series of meaningless accidents or coincidences (...) its a tapestry of events that culminate in an exquisite, sublime plan (...) if we are to live life in harmony with the universe, we must all possess a powerful faith in what the ancients used to call "fatum", what we currently refer to as destiny”.
E desde que o filme acabou que a palavra ecoa na minha cabeça...





Acho que posso acreditar na Serendipity.
Todos nós precisamos de alguma magia na nossa vida e graças a esta palavra eu já encontrei mais uma memória de infância que não procurava. Por isso, esta manhã, resolvi dar uma oportunidade à magia de provar que existe. Tal como no filme utilizei um pequeno estratagema: paguei o pequeno almoço com uma nota de 5 Euros onde escrevi, discretamente, um endereço de email que criei de propósito para este fim. E vou esperar que alguém receba essa nota, consiga encontrar o endereço e conhecendo o filme, resolva escrever-me. As probabilidades não são muito grandes, pois não ? No filme os protagonistas levaram anos a encontrar as pistas e andavam à procura delas. Preparo-me pois para uma longa espera. Mas se, por acaso do destino, isso alguma vez acontecer ficarei convencida que a Serendipity existe e que é tão somente... Supercalifragilisticexpialidocious

E.L.
2006


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=32559