II - O genioso fidalgo Dom Quixote da Mancha
Data 25/08/2017 16:30:54 | Tópico: Épicos
| II - Segundo episódio que trata da primeira jornada que o genioso Dom Quixote da Mancha fez na sua terra
Vou agora prosseguir com a minha narrativa recolhida nos anais da memória coletiva ou até em documentos de pesquisa exaustiva
O leitor ficou ciente no decurso do relato como foi que o fidalgo decadente mas pacato começou a baralhar lenda, ficção e fato
Nem o mais abilolado nunca não tivera antes a idéia que ele teve em favor dos semelhantes: restaurar o resplendor dos cavaleiros andantes
Quando ele convenceu-se que seu plano era rotundo e a moral cavalheiresca já fazia falta ao mundo na fazenda onde morava não ficou nem um segundo
Vestindo sua couraça com bastante confiança embraçou a sua adarga empunhou a sua lança só pensando em avançar na estrada sem tardança Cavalgando satisfeito com a velha armadura uma idéia quase o fez desistir da aventura: - Não existe cavaleiro antes da investidura...
Como já não separava o real da fantasia nessas horas o velhote seus problemas resolvia recordando os romances que na memória trazia
Pois pra ele as novelas forneciam um roteiro: - Tudo posso resolver ao topar com o primeiro que quiser me ajudar me ordenando cavaleiro
E passou a divagar que um grande escritor da estirpe de Homero narraria com vigor sua saga estupenda encantando ao leitor
- Não duvido que narrando minha história verdadeira ao contar as aventuras desta jornada primeira num estilo exuberante faça por esta maneira:
- O paladino Quixote de engenho tão subido o território espanhol percorria decidido escrevendo a epopéia do guerreiro destemido
- Oh, cronista, peço que em seu relato facundo lembre que o cavaleiro que é da Mancha oriundo sem ter o seu Rocinante não assombraria o mundo!
Desdizendo o velhote no decurso desta rota não estava acontecendo nada digno de nota Mesmo o que ele fazia não daria uma anedota
Esperando encontrar na estrada um gigante foi não foi ele apeava do cavalo Rocinante com intento de mijar pra então ir adiante
Por veneta o cavaleiro escanchando-se na sela repetia pra si mesmo a linguagem de novela imitando do seu jeito trechos retirados dela:
- Minha doce Dulcinéia que na hora da partida aceitou minha viagem com a alma dolorida sei que foi aquela dor a maior da sua vida!
- Se a saudade quiser prolongar o sofrimento deixe ser a esperança o penhor do seu alento que sem ela nada sou mas com ela me ausento!
- E com tanta esperança me levando pra diante eu prometo, doce amada, que o primeiro gigante derrotado em batalha deixarei a seu talante!
Disparando disparates feito um doido varrido Dom Quixote cavalgando por um trajeto comprido foi ficando ainda mais de miolo amolecido...
Depois de desperdiçar muito tempo em viagem com o dia terminando avistou a estalagem que cansado e faminto escolheu como paragem
O lugar que encontrou era um sobrado singelo mas Quixote absorto em seu mundo paralelo presumia estar diante do mais imenso castelo
O velhote conduzindo o cavalo pra pousada conservando a viseira do seu elmo levantada viu duas moças na porta cada qual mais assustada
Totalmente envolvido pelo mundo das novelas Dom Quixote presumiu serem duas damizelas Refreando Rocinante foi dizendo para elas:
- Se as moças permitirem eu explico a que venho pois da ordem cavaleira sou um defensor ferrenho e por damas tão galantes com mais zelo me empenho
No estado que estava ele não podia ver que as duas em questão eram feias de doer e discursos empolados não iriam entender
Sem falar que elas eram da baixa sociedade mas Quixote já estando longe da realidade enxergava em cada uma um modelo de beldade
Na presença de figura tão faltosa de juízo inda mais com um colete velho, feio, sujo e friso essas duas se olhavam sem poder conter o riso
Quase ficando a ponto de perder a polidez mas fazendo um esforço para se manter cortês Dom Quixote para elas foi falando outra vez:
- Nada existe mais afim com as vossas formosuras no que tange à etiqueta que a virtude das mesuras mas os risos malbaratam o padrão das composturas
Escutando o discurso de linguagem rebuscada e ficando novamente sem ter entendido nada elas passaram do riso para grossa gargalhada
Vendo elas se portando sem nenhuma etiqueta e que ambas já estavam gargalhando com careta Dom Quixote foi ficando de cordato pra ranheta
Passariam desse ponto se não fosse o vendeiro ir saindo da taberna caminhando bem ligeiro para ver se poderia atender o cavaleiro
Ajudando Dom Quixote a descer da montaria mesmo ficando cismado pelo traje que vestia indagou se ele estava procurando pousadia:
- Se o amigo quiser retardar sua partida deixe o cavalo comigo e prove nossa comida Só não posso oferecer um lugar para dormida
- Castelão, em humildade ao senhor não me igualo Eu tenho plena certeza que terá o meu cavalo um distinto tratamento ensejando seu regalo
- Meu corcel é Rocinante um cavalo sem iguais que na liça mais renhida não retrocede jamais exibindo o seu valor em pujanças colossais
Mas o taberneiro viu que o velho matusquela tinha só por montaria um cavalo de Gonela arriscando se vergar só com o peso da sela
Sem ter muita paciência com sujeito extravagante inda mais fantasiado como cavaleiro andante carregou o seu matungo entregando ao ajudante
Da cocheira retornou reparando divertido que as moças com Quixote já tinham se entendido ajudando o cavaleiro para que fosse despido
E na mesa da cantina sentou-se ao lado delas conversando com as duas que chamava de donzelas Elas o tinham levado para perto das janelas
E assim foram tirando a lombada e corselete pra deixar o cavaleiro sem o peso do colete A maior dificuldade foi tirar o bacinete
Depois de tanto puxar sem ter visto resultado Quixote solicitou que o deixassem de lado parecendo para todos um cogumelo sentado
Ele imaginando estar numa enorme fortaleza e que estava recebendo tratamento com fineza fazia belos discursos para as damas da mesa:
- Nunca fora um cavaleiro por damas tão bem servido como fora Dom Quixote o guerreiro mais subido Dele tratavam donzelas com o melindre devido
Elas foram escutando sem dar muita atenção só pedindo que parasse com a sua explanação na chegada do momento de fazer a refeição
No cardápio apresentado por motejo ou descaso tinha pão que foi servido com dois dias de atraso num pirão de caldo grosso dentro de um prato raso
E no prato com o caldo parecendo uma lavagem disputavam o espaço agrião, jiló e vagem com o sal e a pimenta temperados sem dosagem
Mas pra ele a gororoba era o mais fino jantar dizendo que o tal prato se um rei fosse provar a receita honraria o seu nobre paladar
E mesmo que na cabeça lhe pesasse o morrião parecendo satisfeito com a nobre refeição para as damas ele fez uma breve confissão:
- As damas vão assentir que agora eu não minto: se a fome está na mesa para ser claro e sucinto quão difícil é jantar sem parecer um faminto!
Nisso foi chegando ali distraído um porcariço que entrava na taberna retornando do serviço assoprando cinco vezes sua flauta de caniço
Escutando aquele som (para ele harmonioso) Dom Quixote confirmou comovido mas ditoso que estava no salão dum palácio suntuoso
Mas estava incomodado com a tal investidura pra poder de uma vez se lançar na aventura percorrendo a Espanha na sua cavalgadura
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