
LUPERCÁLIA (écloga)
Data 23/03/2018 02:55:58 | Tópico: Poemas
| LUPERCÁLIA (écloga)
I Tinha uns olhos buliçosos D'enxergar tão-só malícias... Salivando d'antegozos As rebuscadas delícias De jovens belas mulheres.
Face a seus rostos mimosos Imaginava as carícias Que, virgens, guardam a esposos... E busca, mesmo a sevícias, Arrancar-se-lhes prazeres!
II Dissimulava, contudo, A sua extrema avidez, Passando por sério e mudo Àquelas que por sua vez Lhe admiravam a prudência.
Tomado de cupidez, Bastava um ombro desnudo, Ou algum decote talvez, Para esquecer-se de tudo E perder-se na indecência.
III Ele -- homem de meia-idade -- Sempre em roda às raparigas Quase um lobo, na verdade, Como o de velhas cantigas, À espera da hora mais certa...
Dava-se tal liberdade Que, com palavras amigas, Impunha-se a outra beldade Em meio a suas fadigas Ou quando menos alerta.
IV E, obtendo sua confiança, Sugere um fácil desvio Que de dedo em dedo avança Por sobre o peito arredio Até que revele um seio...
Ao pôr as ideias em dança E o corpo donzel no cio, Goza a súbita mudança, Com um sorriso sombrio, Visto seu secreto anseio.
V Ao fauno s'entrega a ninfa Nas folhas de doce outono... Junto à translúcida linfa Das florestas sem dono E seu borbulhar constante.
Longe, uma andorinha grinfa A despertá-la do sono Como fosse a paraninfa D'esse seu só abandono Por tão sedutor amante.
VI Clama em vão de tal desdouro Após que a virtude lhe falha... Ignora o passo vindouro E até se chora ou gargalha Em face do acontecido.
O outro, grinalda de louro, Orna-lhe a fronte grisalha!... Da mesma andorinha, o agouro Escuta sem que lhe valha Mais que um olhar atrevido.
VII Ela seguirá co'a vida E ele seguirá co'a sua. Mas a inocência perdida Para o fauno se insinua Tão-somente canalhice.
Já a ninfa adormecida, Sempre pálida e nua, Ser-lhe-á a imagem retida Que em lembranças atenua A solidão da velhice.
Contagem - 22 03 2018
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