Sociedade secreta

Data 14/04/2018 21:18:57 | Tópico: Crónicas

Só é sobrevivente desta sociedade quem parte faz simultaneamente de uma outra sociedade: a secreta. Não que tenha que haver a reunião de sete, oito, nove ou doze presenças influentes para que haja poder ampliado. Tem mais a ver com a estranheza de um encontro escondido, iniciado na noite obscura e que se propaga em código pelas ruas humedecidas. Neste seguimento, o primeiro intuito, quando aberta é a mensagem da convocatória, é de amarfanhar o papel e de destruí-lo em fanicos. E só depois deve ser treinada a melhor maneira de desviar as atenções, principalmente durante a execução do plano. E enquanto no fogo arde a tinta das palavras escritas, que escondidas estavam debaixo do tapete, veste-se o casaco da arrogância porque está frio lá fora. O girar do trinco da porta deve ser estudado até ao mínimo detalhe e as dobradiças bem tratadas para que não sucumbam à histeria. Se ninguém despertou com o bater da entrada de casa, então pronta está a saída de quem, no instante final, ainda rouba o boné do cabide das velharias. Não sei que horas são, mas sei que a hora é importante para que não existam transeuntes àquela hora. Presumo que o relógio tenha sido memorizado e que até se oiçam as batidas cardíacas dos segundos. Adiante! Sem que as luzes sejam acendidas, desce por fim as escadas uma figura quase transparente, e que exige que o compromisso seja cumprido por teimosia, ou para que algum sentido desponte sobre o ar tardio. Depressa! Que esta metrópole quando escurece esconde mistérios, e ninguém é um livro-aberto. E as arcadas, os monumentos e as estátuas prova são de que é possível esconder conhecimento por milénios.

Vejo que bem combinado foi o percurso, embora atalhos possam ser tomados no despiste dos curiosos, ou pior, na fuga aos inimigos que de outras sociedades são. Há inequívocamente uma grande espionagem por trás de cada pilar que sustenta a ponte que atravessa a correcção das pessoas. Talvez até na próxima esquina alguém nos faça a espera, mas somente até ao ponto em que não há reconhecimento (de rosto, de silhueta ou de mérito). Seguimos. E mais longe é chegada a paragem, que toscamente mapeada estava no bilhete; faz-se um gesto, é dita a senha e abre-se um portal. Agora sim, dentro da sobrenaturalidade possível, respira de alívio toda a razão que nos fez correr; estamos entre amigos da mesma espécie (imaginamos).

Há muito que todo este vínculo e toda esta rede ligada está pela correspondência (absurda) trocada nos pensamentos da segunda-vida. Enfim, prosseguimos num transporte sem destino e, desta vez, nesta missão, escolhe-se - dentro da mesma identidade - quem tem coragem de seguir pela passagem. Por ela o corpo deve ser reconstruído noutro lugar distante; é uma viagem fantástica que pesa pouco no discernimento, mas que altera a estrutura de ser (temporariamente). Se quisermos, num piscar de olhos engolidos somos pela boca-do-inferno; desaparecemos, somos esquecidos, e falta só faremos à rotina. Presumo que durante o episódio estaremos em terras desejadas e, por último, então conhecidas serão as ramificações da tal sociedade secreta. Presumo também que assim se chegue mais rápido ao espaço antecedido e precedido, algures num contexto exacto e que nos é querido. Diria mais, diria que uma onda de alegria rebentará por mal termos existido (supostamente) durante o processo. E no fim, no início ou no meio da ansiedade, o viajante-místico irá com ânimo, mas voltará sempre da conspiração que o sentou na mesa dos entre-iguais. Sim, ele continuará levemente a existir indefinidamente (e sem definição). E só sobrevive porque foi, mas só regressa porque quer.


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