Vivendo & Escrevendo II

Data 20/04/2018 21:06:22 | Tópico: Textos -> Outros

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NADA DE NOVO nem o resultado do exame de escarro, nem a Loura Grandona, com suas enormes pernas grossas. Constato tristemente que não ganhei na Quina, mas continuarei tentando, ainda tenho doze semanas para sonhar. O corredor esta lotado de pacientes impacientes esperando a vez para serem atendidos. As funcionarias passam apressadas entrando e saindo das salas. Uma delas conversa com uma senhora de aparência debilitada sentado perto de mim - um senhor numa cadeira de roda empurrada por uma moreninha magrinha de bermuda curta reclama ou quer conversar com a Assistente Social. Tusso um pouco. Concluo "Sidarta" de Hesse e empenho-me no fast-food do Bispo, algumas historias já conhecia que li no outro livro dele "Nada a perder - II" - Uma coisa é certa nunca desistiu, mesmo com todas as adversidades negativas. E como eu, penso em desisti, de sonhar, de escrever - só porque os meus livros ainda não venderam nada - pauvre de moi - A Assistente-Social que antes conversava com a senhora do meu lado, agora dar atenção para o Senhor da Cadeira de Roda que irritado discute com a doidinha que o acompanhava. A Deusa Loura Apocalíptica chega séria, acompanhada pela sua acolita de ordem. O Senhor da Cadeira de Roda entra na sala da Assistente e doidinha sai apressada e braba
- Velho nojento, quero que tu morra, seu velho desgraçado - esbravejou irritada enquanto escafedeu-se rapidamente entre as pessoas. Sem olhar para a plebe a Deusa Loura Apocalíptica enfurnou-se na sala sem ao menos dar um simples "Bom dia" ou apenas um olhar, mesmo que fosse de desprezo para a plebe amontoada no corredor. Com seus cabelos louros lisos escorrendo nas costas, sempre mastigando alguma coisa, com uma garrafa térmica em uma das mãos, vai até o corredor e volta. Ao meu lado uma funcionaria reclama que quer tirar umas merecidas ferias com uma amiga;
- O senhor vai escrever algum livro? Pergunta-me. . A Enfermeira Dalva responsável pelo meu tratamento toca na minha perna cruzada e faz sinal para segui-la. Na garganta, o catarro que nela acumula me força a pigarrear.

Principio da noite. Decido que não vou sair para a minha ronda, optei na ultima hora pela leitura de Maigret "A Velha Senhora" - o mesmo livro que emprestei para o neto de Seu Manoel do Fogão, vizinho do lado de Cabeludo e devolveu-me depois de ler as primeiras paginas, alegando que tinha muitas palavras que desconhecia o que dificultava a leitura. Pauvre diable. "A Velha Senhora" sacana, armara tudo, mas não contava com a astúcia e a inteligência do Comissário Maigret e desvendar o seu intrincado crime. Encantado em saber que Wood também admira o grande Dostoievski e fez-lhe uma homenagem em "O Ultimo noite de Boris Gruschengo" - assisti o telejornal da Mirante. Abro uma banda da janela. Reli algumas paginas de "Crime e Castigo" - uma saudade de Raskolnikov e de Sonia - da prosa erudita do mestre, depois de devorar dois Simenon em dois dias, para completar a biografia de Wood. Acho que vou reler com mais calma "Ulisses" do mestre irlandês que li muito ávido e apressado em concluí-lo dentro da data de entrega, desta vez mais tranquilo sem temer o tempo. Bocejo - a barriga cheia de água, a falinha infantil da pequena Adriele brincando sozinha na sala. Seu Pietro chegou e abre a porta. Estou cansado de não fazer nada somente deitado lendo e peidando nesse colchão. Mais uma noite de sábado. Lendo Kerouac. Nenhuma novidade apalpavel. Os mesmos encontros de sempre. Gersinho amigo de infância de Cabeludo esta trabalhando na campanha do Governador, fazendo bandeiraço. Sente-se um pouco constrangido, ganhará duzentos e quarenta reais por mês de trabalho em pé segurando à bandeira nos retornos da cidade a manhã toda.


UMA ENSOLARADA e típica manhã encantada de domingo. A azafama começa com o retorno da Sra. Vince do mercado puxando o carrinho de compra cheio e sendo recepcionada alegremente pelos seus cães que latem e uivam.. O almoço sendo servido, primeiro para o sereno Sr. Vince sentado a cabeceira da mesa serio como um Paxá e depois para os outros convivas. Dormi depois do almoço e acordei as seis horas na boca da noite. Bruce late para os gatos que vem namorar as gatas no cio. Adrielle sorrateiramente traz-me escondido uma moeda de cinquenta centavos que achou em algum lugar... Adoro Kerouac pois me leva pelas estradas americanas e suas típicas cidades interioranas com caubóis e seus trejeitos, os mexicanos colhedores de algodão - São Francisco, Omaha com seus amigos malucões, vivendo as suas maneiras, vagabundos atravessando o país nos vagões dos trens cargueiros. Uma louca vida. Eu não posso escrever como ele,, pois não vivi nada de extraordinário, fiz poucas viagens - três para a cidade de Barbalha no vale do Cariri no sul do Ceará, perto de Juazeiro do Norte. E em 2009 fui até a cidade de São Vicente de Ferrer viver um grande amor com a poetisa Day que durou apenas um mês
A oficina quase uma semana fechado. A Cemar me intimando para pagar os débitos pendentes e ameaçando-me cortar o fornecimento de energia. - Ai poeta! - Saúda-me Mariano ou Marujo o carroceiro maneta sentado no varal da carroça vazia.
A moeda que a pequena Adrielle me deu ontem a noite para guardar era do patriarca. Uma fomizinha enjoada, bebi um café simples.
- E isso ai - Disse-me Seu Riba vendedor de abanos e apanhador de manga, segundo falam é um mentiroso contumaz.
Estou na iminência de concluir o terceiro livro "Crônica de uma Tuberculose Anunciada".

Meio-dia e uns quebrados. A vozinha infantil e peculiar da princesinha Adrielle deitada junto com Taissa na cama vendo um desenho animado. Aleluia!Aleluia! - o meu terceiro livro esta no mundo virtual - a capa é um anjo tocando uma trombeta. Adrielle foi embora com a mãe que veio busca-la na moto. Gosto muito dela. O Sr. Vince assiste o filme "Os demônios de Petersburgo" - ouço, assisti-o alguns meses atrás no you tube, baseado na vida do mestre Dostoievski. é quase igual ao livro do sul-africano Coetze.
Noite no quarto lendo deitado na cama a biografia de Allen e pensando se digito ou não o Caderno Vermelho.
O JOVEM VIÚVO Katchengo foi deixar o seu primogênito no jardim de infância. A sua jovem esposa morrera, depois que retiraram o feto morto de três dias. Ele chorou copiosamente a perda repentina de sua cara metade. Uma melancolia tomou conta de mim, da minha solidão sem nenhuma companheira para chamar de 'minha', só me resta escrever para extravasar os meus recônditos sentimentos. As ideias embaralham-se febrilmente e não consigo organiza-las e coloca-las no papel. Hesito que escrever. É uma miscelânea de ideias. Digitei algumas folhas, mas a euforia passou e chegou a depressão resolvi parar. È melhor ficar agachado no meu cantinho em algum lugar dentro de mim até essa tempestade psicológica passar.
Para combater as minhas neuras, leio Dostoievski, o bom Dostoievski e seus enigmáticos personagens a beira da loucura andando a esmo pelas ruas e beco de Petersburgo a beira do Nieva ou na Avenida Nievski. A bem descrita a ultima noite do pilantra do Svidrigailov no hotel de terceira com o recepcionista maltrapilho e os pesadelos e por ultimo o suicido - a ironia do mestre - em frente ao quartel de bombeiro, o olhar amedrontado de Ulisses, o sentinela judeu. Adoro esse capitulo assim como as exéquias no quarto da viúva Catierina - pérolas do mestre., os mosquitos enjoados - eu concluindo a leitura dessa obra-prima "Crime e Castigo" - reponho no seu devido lugar ao lado de outros livros de seus conterrâneos.

O CÉU NUBLADO, clima ameno uma ameaça de chuva. Ainda não cortaram a energia elétrica. Sonhei com Roskolnikof e Sonia. A mente embaralha tudo - saudade de quando quase todas as semanas eu tinha serviço e ganhava os meus trocados e comprava os meus adoráveis livros. Há seis meses que minha vida virou bruscamente. Meu vizinho Seu Biné tira o carro da garagem. O mototaxista Troira ou Dr. Oswaldo aposentado pelo Tribunal de Justiça para e estaciona a sua moto Honda XL em frente a porta e desce para conversarmos um pouco..fomos parceiros de chila. Soldei um pé de uma cadeira que Mozaniel trouxe. De Dostoievski para Balzac. das ruas de Petersburgo para as luxuosos salões de Paris - o mundo maravilhoso que esse magníficos homens superinteligentes escreveram

LEVANTEI-ME AS CINCO e cinquenta e cinco para urinar, mas antes abrir as folhas da janela, ingerir os quatros comprimidos diários, enchi o litro na torneira e o coloquei no congelador. Retornei para o quarto, apanhei a biografia de Allen li algumas paginas, mas a vontade de ler os diários de 85 foi maior, encontrar textos para formar um mosaico. Depois de ficar alguns minutos em pé na fila da Casa Lotérica na Avenida dos Portugueses para fazer um fezinha para sair desse sufoco financeiro. Uma cena deprimente chamou-me a minha atenção para aquele triste quadro. Uma jovem mãe com um bebê nos braços, a sacolinha no ombro, segurando uma bandeira de um candidato qualquer debaixo daquele sol inclemente na beira da calçada da avenida. Deu-me pena - chocante demais. Doeu-me demais, necessidade daquela jovem mãe, assim com as suas companheiras ganharem míseros vinte e cinco reais por dia, ainda correndo o risco de um calote, de serem engabeladas pelo agenciador. Como seria a vida daquela sofrida jovem mãe para submeter-se a essa tortura e ainda mais com seu pequeno e inocente rebento. Solteira? Tento traçar um perfil pra aquela jovem triste, mas não consigo, ainda estou abalado emocionalmente. Uma Faxineira baixinha da bunda grande passa com um livro nas mãos, um exemplar de "Esperança" de um pastor da Igreja Adventista. O corredor, pouco pacientes impacientes aguardando vez. Dona Dalva a enfermeira que acompanha o meu tratamento, passou no concurso do Inamps e breve começará a trabalhar. Ela tem outro objetivo entrar na Faculdade de Medicina. O cheiro forte dos desinfetantes, as auxiliares de serviço geral lutam bravamente para higienizar o banheiro dos funcionários. No ar o odor da comida preparada no restaurante..
. Apanhei três bons livros na Biblioteca Itinerante... Salman Rushdie, indiano e o polêmico "Versos Satânicos" que quase custava-lhe a vida; Gabriel Garcia Marquez, o grande colombiano de Arataca e os seus saborosos "Doze Contos Peregrinos" e o mestre português Saramago “ O Cerco de Lisboa”- ambos premio nobéis - comecei por Rushdie que nunca havia lido antes e o achei interessante, assim como o primeiro conto de Marquez "Bom Dia, Presidente". Os contos dele abriram os portões de novas concepções literárias. Por que também não escrever contos, são mais rápidos.
FIZ A PEÇA que a Sra. Vince me pedira ontem, aproveitando que a eletricidade ainda não foi cortada. Entreguei a cadeira de Mozaniel que prometeu dar-me dez reais, mas trouxe café com leite e um litro de água. Entregaram a quarta conta de energia. Suei um pouquinho para fazer o quadrado.
VENHO TOMAR o meu banho de sol no terraço. Sra. Vince luta com a bomba d'agua.
- Tem alguma coisa que não tá dando certo, não tem pressão - disse segurando a ponta da mangueira.
O Sr. Vince comprometeu-se em pagar as contas atrasada da oficina, mandou-me busca-las . Os contos de Marquez, alguns tristes e outros alegres, todos passados em alguma cidade da Europa. Agora descubro o realismo fantástico do indiano Rushdie. Troquei-o por Balzac estava com saudade das intrigas do belo Luciano e seus falsos amigos na bela e festeira Paris.. Taissa cortando as linguiças para o jantar. Meu amado filho esteve aqui, conversamos sobre assuntos que tanto gostamos livros e filmes.






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